E que, não podendo fazer mais nada, lhe bebe as lágrimas.

Carregarei dentro de mim as tuas lágrimas, quero-te o sol e a chuva, ser vaso intocável dos teus sonhos e das tuas dores. Dá-mas a mim, deixa que se alivie esse peso, que se aplane esse abismo.

Haverei de receber-te as lágrimas que calas e as que não consegues calar, as copiosas, as latentes, as lentas, cansadas e vencidas, as desesperadas e gritantes que te esmagam o coração em soluços, as que me mentes, as que não me contas, as que eu sei. Como ontem, como hoje. Não agradeças, não peças desculpa, só dar e receber.

Não te disse a memória que me trouxeste, talvez até nisto seja parecida com o meu pai. Não te quero mais falar de coisas tristes. Mas lembrei-me da minha mãe, rebelada naquela amargura de morte no funeral do avô-que-deus-tem – é assim que agora lhe chamam -, agarrada em pranto ao pescoço do meu pai e ele só ali, muito direito, quase imóvel, a receber-lhe os golpes, os punhos e as lágrimas no peito e depois os braços ao pescoço, não poder fazer nada, não saber fazer nada, senão estar. É daquelas memórias que me acompanha e, ainda que a dor não seja a minha, houve aquela lágrima que se misturou com a tua.

Só abraçar-te com força no último pensamento do dia, enquanto ouves aquela faixa 5 que era vossa, segurar-te quando o susto te vem à noite, velar-te o sono e afastar fantasmas, passar a noite sem te largar a mão, adormecer contigo, quando adormeceres. Acima de tudo, beijar-te os olhos devagar até que se sequem todas as lágrimas, beber-te as lágrimas o tempo que for preciso até que consigas dormir sem medo do mundo. O tempo que for preciso. 

(durmo contigo aí hoje também)

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