Estava sentada a ler as Cartas a Anaïs Nin, debaixo da sombra da palmeira, à tua espera e o sem-abrigo, que já antes tinha dito boa-tarde, aproxima-se. Talvez já nos trinta e alguns ou quarenta e poucos mas com um sorriso rouco que dá gosto ver, a barba curta e o cabelo pelos ombros, calções pelo joelho, poderia ser um pescador. O ar latino e o calor da língua espanhola que lhe suavizam a imagem de ser apenas mais um bêbado abusivo. Pergunta-me de onde sou mas não lhe dou conversa, depois afasta-se e deseja-me no seu espanhol algo como "que vivas bem a vida!".
Penso na sensibilidade e precisão dessa frase tão sábia. Não felicidades, não amor, não essas coisas que se dizem por aí em momentos mais ou menos formais e mais ou menos autênticos, mas a simplicidade toda ali resumida na boca daquele sem-abrigo, viver bem a vida, com tudo o que isso implica.
A vida seria isso a acontecer fora e dentro de nós, em todo o lado, em toda a volta, e ele sabia disso muito bem.
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