No princípio era o verbo, mas para o Verbo aparecer teve de haver primeiro uma forma qualquer de separação. Libertar-se do ventre da criação foi um necessidade, uma necessidade humana. A palavra é sempre reminiscência de um estado mais perfeito, de uma união ou unidade que é inefável e indescritível. A criação é sempre difícil porque é uma tentativa de recuperar o que se perdeu. Para se reparar é preciso ter havido abandono.
Tu conheces todas as alegrias e todos os terrores da criação. Tens sido Deus desde que começaste a falar. Nesse atlas neptunino que vais deixar à posteridade tens arquivado as metamorfoses proteiformes das tuas uniões e separações. Ele é a arca e a escritura do que se perdeu. (...)
Não serve a palavra para ser gravada em tábuas de pedra nem para ser aprisionada dentro da capa de um livro. A palavra é luz e a verdade torna-se carne. É incorruptível. A procura da imortalidade através da arte mais não é do que o reconhecimento dos poderes da morte. Escrever é vida, mas o que fica escrito é morte. E é morte precisamente porque procura preservar aquilo que não pode ser preservado pela forma e pela substância. Perecem os mais sólidos materiais, como perecem as mais luminosas ideias. E o maior livro que algum dia se escreveu mal consegue dar realidade a um fragmento mínimo da real emoção do artista. Não, nós somos apenas construções tumulares para a posteridade admirar com as nossas palavras. Procuramos registar o Ego em mutação, mas não será assim que o Eu se revelará. Somos faúlhas que se perdem no ar.
Henry Miller, Cartas a Anais Nin
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