O corpo do Manel, que há-de ter um neto.

Se ele conseguisse já se teria matado, ninguém duvida disso. Se não fossem as mãos que já não se abrem, os pés que já não o acompanham, a boca que já não se expressa, se não fosse o corpo que já não reage e o faz cair a cada passo, babar-se a cada palavra indecifrável, toda a gente sabe que ele já teria dado um tiro na cabeça. Se não o fez foi só porque não conseguiu. Ironia das ironias, tem ainda uma esperança longa de vida, só não se entende de que espécie. O problema é do corpo, que deixou de acompanhar a cabeça, consciente. Degenerativo e regressivo, diz-se. Então, ela engravidou de propósito para que o pai, que sempre quis netos, pudesse conhecer um neto. E agora toda a gente sabe que ele não se matará para poder conhecer o neto.

O corpo é uma prisão. O corpo é uma traição.

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