Serei capaz de não ter medo de nada, nem de algumas palavras juntas?

A emenda é pior do que o soneto e eu sei que tem sido assim, esta é só mais uma. Nessas vezes, faço A à espera de B ou digo tudo sem pensar a nada e entre um extremo e outro não sei onde estarei mais, porventura em nenhum, pois que não devemos tomar o gesto pelo todo. A minha insistência em prolongar o tempo que se esgotou em alguma das tantas noites claras fez da minha antiga imanência de célula uma reacção alérgica irritante, metáfora tacanha. Sei que isto já não vai lá com recursos estilísticos, menos com canções ou com outras palavras de qualquer espécie. Era preciso que se parasse a tempo de todos os desastres e vai sendo tarde, só reconheço destroços.

Como sempre, foi um acto distraído e assaz imprudente da minha parte. Estava a arrumar uns bilhetes na minha caixa das coisas importantes como quem guarda pistas para o futuro, talvez para os filhos, e estavam as poucas polaróides com os caracóis e a luz toda dos teus olhos ainda ali tão ao meu alcance. A fraca qualidade da máquina, com tantos anos sem uso, é ainda visível com facilidade nas manchas das fotografias, mesmo que tenha mandado vir um rolo da América ou de Inglaterra e que se conservava no frigorífico, já não sei. Parecem histórias antigas de outros Verões e foi ontem. Por debaixo de tudo estavam as palavras e é por isso que nenhuma chave serve a esta fechadura mesmo que eu tente, é o que só eu sei e por isso ninguém me entende. Vale tudo menos deixá-lo morrer, e ninguém entende.

Haverias de dizer que o José Luís Peixoto não escreve nada de especial e eu ter-me-ei rido para descobrir só depois que escreveras aquelas palavras apressada e ainda na estação dos correios, uma fila atrás de ti e o senhor da caixa a mandar vir, e que, em todos os livros que lhe li, o José Luís Peixoto nunca escreveu palavras assim. E venho eu agora brincar aos poetas se és tu quem leva todas as palavras em ti, as que já eram tuas e as que eram minhas. Tens contigo todas as palavras de vida eterna, por isso, se eu pudesse, não escreveria sobre ti. Escreveria sobre coisas tão importantes como a crise de identidade da Europa e o novo paradigma geopolítico mundial, a valoração e aproveitamento estratégico dos recursos marítimos costeiros Portugueses ou o verdadeiro significado das boas práticas de gestão de projectos em face de contextos customizados. Acredita que se pudesse não escreveria sobre ti. Se pudesse, esquecia-te.

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