Quem chorou o mar?

Não me apresses. Sei o quanto me queres fazer futuro, os dias que foram sucessão e distracção, mas não me peças mais do que ser este instante em que te escrevo. Não te saberei dar mais do que isso, mesmo que o quisesse. Não me peças coisas, por favor. Segue a vida como quem vai na corrente, sem saber porquê ou onde vamos desaguar. Não te preocupes, todos os rios correm para o mar, é-lhes natural como o sangue. Sabe que não sou mais do que uma dessas gotas de água que vêm com a chuva, uma fagulha que se solta ou um suspiro indecifrável. Não penses que sou mais do que isso e não me queiras fazer mais do que isso. Não tenho necessidade maior do que ser agora. Se eu quiser ser agora em ti, que sejas sorriso e que a eternidade seja agora.

E não me prendas também. De mim não queiras a generosidade ou o hábito cansado mas a liberdade honesta de seres vontade pouco educada e imprevisível em mim. Só te posso dar o que há de bravio e irremediável, o fogo que irrompe aflito e urgente por dentro. Como se fosses uma inevitabilidade e eu não soubesse mais nada no mundo além da tua boca. Mas prende-me os pulsos e depois prende-me entre os teus braços. Fica, até que nos tornemos canção e a noite não chegue ao fim.

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