Ao cão de lume que tens de guarda ao coração:

esperar que teus olhos se pousem nos meus. esperar que a chuva pare e tu irrompas na claridade das nuvens abatidas sobre o mar. esperar um gesto, uma palavra que faça o corpo mover-se em direcção a ti. mesmo que eu o não deseje. mesmo que o mundo desabe nos lábios sobre os lábios. e nenhuma palavra seja possível tornar-se à flor da saliva. amo-te, se era isso que querias ouvir dizer. amo-te no silêncio e no medo de despertar em mim as palavras que tu entenderás. e me comprometam, e me desarmam. amo-te vagarosamente. peço-te, dá-me Tempo para que as palavras se formem e tomem sentido, se organizem de modo a serem fala simples e imediata dá-me tempo para reconhecer meu corpo esquecido algures na treva duma memória que eu tento esvaziar. dá-me Tempo para aperceber de novo a falsidade dos espelhos, e de novo construir a minha sombra, o meu reflexo, a minha solidão. dá-me Tempo, Tempo infinito para que a voz cresça e se transforme em canto. Tempo, quero Tempo, para redescobrir a dor.

Al Berto, Diários

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