Nenhuma sílaba foi perturbada.

Não é a doença que o preocupa, pois essa passa por ele inalterada. Mais desespero houve em todos os amores perdidos, os incêndios flagrantes do seu horto, do que na doença. Fala dela, sim, mas como quem poderia dizer que hoje chove, a única distância admissível ao inevitável. No diário, regista "queriam que falasse mais da doença?" mas o rosto irreconhecível, a queda do cabelo e dos pêlos pûbicos no dia de Natal, a pele que vai caindo, os exames e os comprimidos, o mijo, são descritos factualmente e sem adjectivos ou concessões. A vida é o que é. Só a caligrafia cada vez mais mutilada o perturba, só a escrita cada vez mais impossível. Mas a vida é o que é.

(comecei e acabei de ler o livro no mesmo local, com quase um ano e meio pelo meio. finalmente, pode agora fechar-se em paz.)

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