Vente cuando quieras pa mi casa.

É sempre nos momentos do social, tantas vezes a coincidir com o copo cheio, que me acerco das mesmas conclusões, como se o álcool servisse também para melhor fermentar as ideias e outras conspirações mais tímidas. Oiço esta gente que não me diz nada e que fala com um entusiasmo que não entendo sobre sementes de fruta, abelhas, patos, a eurovisão. Rio-me quando riem, aceno quando acenam e assim sou, hipocritamente, nos tempos permitidos, o que quiserem que eu seja. Não sei o que pensam realmente de mim ou se me imaginam pessoa diferente noutro ambiente. A verdade é que importo-me pouco senão ao ponto de cumprir com as minhas obrigações. Sei o que é esperado e sei o que espero, pudessem todas as relações ser assim tão simples e frutíferas. Mas é quando os oiço, nos momentos do social e onde o trabalho perde a dignidade de assunto, que sempre concluo o mesmo. Esta gente não sabe dos caracóis no cabelo do meu afilhado, do cheiro que o mar tem na minha terra, do riso maquiavelicamente encantador dela, da pele gretada do frio nas mãos do meu pai quando o dia ainda é confuso da noite. Esta gente, que nem sei se chegará a ser-me útil, não me conhece de lado nenhum. E esta gente é tanta gente.

Foi quando finalmente reconheci a minha condição de ser dispensável sem que daí viesse mal ao mundo que este começou, figurativamente e mais coisa menos coisa, a mostrar-se dispensável. Depois que parti, todas as chegadas são iguais, os mesmos os sítios, as mesmas as pessoas. Vou acumulando poucos interesses genuínos e um par de casas que não me permito desocupar, únicas de segurar raízes e chorar portos. E continuarei a atravessar o tempo, sabendo de antemão que o futuro está sobrelotado e o passado tão próximo da inexistência. Se o dia começasse de novo agora, às dez da noite, seria ainda tempo de acreditar em algum propósito mas poucas coisas começam às dez da noite hoje em dia.

Irrito-me depois com esta sensação que sempre recusei para mim, a de ser aquela que está para o estrangeiro, sem conseguir negar nesses dias de copo cheio a suspeita de uma verdade. Por minutos de conversa vazia, sou estrangeira de lugar nenhum e digo baixinho o teu nome para me lembrar de casa. Aonde estiveres, é onde quero acordar.

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