Não sabendo outras, repito estas, uso as que não são minhas, falho
uma e outra vez até ao esgotamento triste de chegar ao nada. Quando o silêncio não serve para comunicar o que perdura mais dentro, as
palavras são a minha cobardia envergonhada e vergonhosa de quem não
conhece melhor. E parto como quem espera, ciente de que há momentos em
que esperar é ainda a única salvação possível para lutar contra a
fragilidade dos dias.
Quando o corpo cede à exaustão e
adormeces, é sempre diferente. Fazes-me querer ser poeta ou, pior,
acreditar em tontices impossíveis. És tão bonita. A paz no rosto onde
ficaram as covas do último sorriso, a boca apelativa e só ligeiramente entreaberta por
onde te sobem os sonhos, a respiração sossegada de quem é paciente com o
destino e tão esperançosa dele. É sempre quando fico a ver-te dormir,
numa ideia precisa situada entre a ternura e o desejo, que me ausento de
quem sou e te descubro com maior nitidez. Dissipo os medos e as
inquietações ao compasso do teu peito e afasto a inevitabilidade do que
está para vir, sabendo de antemão que a vida pode ser cruel e que não
poupa os incautos, que os apanha desprevenidos a imaginar o sono de
outros. O teu futuro não caberá entre as minhas mãos, de tão imenso, eu
sei.
Olho-te, como se hoje fosse a primeira vez. Sob a
calmaria dos teus olhos poderiam os oceanos afundar-se e nascer a vida
de novo. Os teus olhos são assim, desse tipo, olhos de morrer e viver
por mais. Enquanto dormes, ignorante deste texto, o tempo ecoa de
arrependimento pelos maldades contraídas e pede-nos perdão. Aceitamos
tudo, como só se pode fazer com aquilo que é de devolver, o perdão, a felicidade, o amor. Pouso com vagar o meu dedo entre um dos teus caracóis, com a determinação de quem conhece o que lhe basta e a cautela de quem toca no que não lhe pertence. Ficas tao bonita. Não acordes ainda, deixa-me ficar mais um pouco entre o teu calor de ser casa. E tu dormes, ignorante deste texto, nunca sabendo que te olho no sono, enquanto fazes em mim mais uma palavra. Dorme com esta, nova, que não te disse ainda.
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