Não deixemos que nada se conclua aqui.

Na cadência do tempo, vamos fazendo cedências à vida. Partilhamos lutas que começamos e acabamos no mesmo dia, calamos mais, corremos menos. Avançamos pelo desconhecido entre desvios e recuos, sem querermos chegar ao compromisso duma conclusão. Não deixemos que nada se conclua aqui. Ainda vamos a tempo de ser amanhã. À margem do que nos permitimos aceitar, ser mito é escolha e consentimos que o destino aconteça segundo a sua vontade. Faça-se saber que porventura nada nos espera, nem a vergonha. Assuma-se que ninguém conta esta história senão eu.

A utopia do sentir acontece-nos em entrelinhas e o que foge às palavras admite-se no irreflectido do corpo, que não conhece razões ou medos. Há dentro de mim vestígios de ti que se desvendam ao menor sopro. O tempo encobre-nos recordações e amnésias, porque há dias que são de lembrar e outros que são de esquecer. A minha crueldade protege-me mas não é por ti que perigo. Desaprendi a inocência dos afectos e torno toda a ausência presumível, guilhotino qualquer juízo pela sua falsificabilidade. Prova-me que estou errada. Oxalá que sim.

Entramos a par numa dança de diferentes e variados tempos e agarramo-nos às pequenas certezas que nos seguram o peito. Acabamos sempre por tropeçar no jogo de sombras que inventámos para nós, alguém que esconde, e por vezes foge, e por vezes encontra. Repara que não hipotecámos ainda nenhum caminho. Nenhum passado pode repetir-se, nenhum segundo. Um dia olhei-te nos olhos e só vi futuro. Ainda hoje.

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