Não me digas que, indignado, pois, também tu és o Charlie, certo, mas qual deles?, não serás dos mortos, não, disso não chegaste a tempo, mas é uma questão de solidariedade, percebe-se, porque te choca que tirem a vida a alguém pelo que possa escrever, desenhar ou nem isso, pelo que possa dizer (afinal estamos no século XXI - essa concretização miraculosa), então és a favor da liberdade de expressão, que bom, e já somos tantos, mas e para quê, não me digas, vais escrever um post no facebook, melhor: um poema, exaltar-te contra o radicalismo, que bom, que deus te pague, houvesse mais corações justos feito o teu e o mundo certamente seria um lugar melhor, mas não chega, agora vamos ser muito emocionais, lacrimais, o mais enfáticos possível, ponha-se uma boca de senhas e vamos em fila tirar todos, à vez, fazer bicha, muito barulho e minutos de silêncio, para condenar o que há de errado neste mundo, o que há de vil, como é que há gente capaz de um acto tão hediondo?, choquemo-nos todos, em coro, religiosamente, vamos embalar-nos neste abraço, vamos pegar em armas (i.e. lápis, canetas) e dar luta, sim, não nos podem vencer, a nós e à nossa liberdade fabulosa, esmagadora, e amanhã ou quando não houver mais tiros e granadas por cá, voltamos a ser os mesmos mesquinhos&medíocres-a-cheirar-a-mijo que já andavam a pé ontem por volta das onze da manhã, em Paris, mas por agora somos sensíveis, civilizados, tolerantes, magnânimos, quanto ao resto, morte aos radicais!
Língua Morta
Sem comentários:
Enviar um comentário