Buenos Aires é um poema que não se deve escrever.

A carne e as empanadas. Os autocarros. Os carros. O malbec. Os alfajores e o dulce de leche, o sundae de dulce de leche. A pele bronzeada. Maria Eva Duarte, Cristina, Tatiana. A Nação e a Presidência. Os descamisados, os desaparecidos, os peronistas. A memória, a identidade e as abuelas de Mayo. Os jovens, os patins, os parques. A música. As papas. As ruas e avenidas enormes e os arranha-céus tantos. Gatos e gatas. Gracias, muchas gracias. O plano de vida dela, tão louco e improvável, a acontecer subitamente na sua frente - um chinês-canadiano, rico, e professor de tango -, porque o destino é sempre insondável. El Ateneo Grand Splendid e a razão para o paraíso de Borges. As cores vivas do El Caminito porque a pobreza também pode ser alegre. Caniches de zona nobre e rafeiros de zona pobre mas o mesmo indistinto cheiro a merda nos passeios. Os ajuntamentos e os acampamentos, em frente a igrejas que os turistas não visitam. Eles tão pequenos e tão lindos, senhor, índios originais a brincar com latas de coca-cola vazias. Ela, a deixar a sua mansão contrariada só para estar ali, ele que se sinta agradecido e honrado, pedaço de animal, porque ela não lhes dá bolos como a outra mas anuncia que tem dez mansões a vagar Quarta-feira. Os vendedores no metro. Os semáforos sempre adiante. Os cafés, os notáveis. Francisco, Evita, o tango, nada que se deixe intacto porque o turismo vive pelas mesmas leis divinas que regem os outros misteres humanos, a simples aritmética da procura e da oferta. Palermo, San Telmo, Recoleta. O Delta amazónico e lamacento como nas novelas e no National Geographic. Somos todos Nisman. As saias, os calções e os vestidos, o calor nas ventas como se fosse Agosto. Os piropos de vasta tradição latina, desavergonhados uns e elaborados outros, e lá vai Marisa cheia de graça e pernas ao léu, porque dita a vontade popular que é esta a minha melhor parte. Coke? Water? Boyfriend? Tu em todo o lado e todas as versões de um futuro que haveria de ser nosso. Te quiero, te quiero, te quiero. E aquela certeza de todos os dias que se fez de relatividade, na relatividade, e pela relatividade, pois que realmente o mundo é grande mas em todo o lado se vive.

Sem comentários: