O meu 25 de Abril é uma saudade.

Nós punhamos a mesa e amesendavamo-nos à espera. Foi preciso chegarmos ao vinte e seis de abril de dois mil e dezasseis para descobrir que a palavra existe mesmo, mas que não tem o érre em amersendar como a minha madrinha ainda usa, nuances da nossa ruralidade que leva mais saber que quaisquer outras finuras. Aí está, nunca duvides da sabedoria dos antigos.

Haveria Sumol de ananás ou, se recuar ainda um pouco mais, Frutol vindo do Petrolim ou da loja da Ilda. Haveria cheiro a fumo e a gorduras, as batatas fritas sempre oleosas demais, o jantar atrasado e a minha mãe a mandar vir, expressão tão curiosa essa, mandar vir, os gatos a passearem-se junto aos tachos e o meu padrinho a mandar vir e, mesmo à segunda, continua a suscitar curiosidade, como um amor que nunca se esqueceu e que encontramos passados anos, coisa mais linda, mandar vir. Haveria a minha prima a mandar vir com o meu tio e eu a desejar nunca ter filhos mal-educados, e a minha outra prima a prestar vassalagem ao namorado e eu a desejar nunca ter filhos submissos. O meu avô com a camisa pingada de tinto cada vez mais bêbado e a repetir as mesmas histórias e algumas a terem piada até. A minha avó a mandar vir com o meu avô para não importunar as pessoas. Começava o jazz.

No final da noite, voltávamos apertados os quatro na carrinha, a chauffage no máximo porque até carrinhas velhas merecem o luxo dos estrangeirismos, e o meu pai deixava-me pôr as mudanças enquanto não chegássemos à estrada, mesmo antes de se acabar o pinhal. Nos dias seguintes, alguém deixaria de falar com alguém por algum diz que disse, um recalcamento calcificado persistente, ou uma qualquer questiúncula idiota. Esperar um ano e repetir.

O meu 25 de abril é só uma saudade dum tempo que já foi.

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