Quem quer a eternidade olha o céu, quem quer o momento olha a nuvem.

Quando o despertador tocou, já ele estava acordado. Levantou-se com a ligeireza de sempre. Orgulhava-se de ser pontual no trabalho. Lavou a cara e deixou-se ficar a olhar para o espelho por uns segundos. No final haveria de ser assim, ele frente a ele. No final é sempre assim e ele não queria vacilar quando a hora chegasse. Não era pessoa de vacilar. Era aliás também por isso que escolhera um dia ser polícia, não haveria de ser agora. Foi só quando ouviu as primeiras agitações da manhã que abandonou o espelho, a mãe a buscar o saco do pão deixado no portão.

Vestiu a farda com diligência, engraxou as botas e fez a cama antes de sair. Quando entrou na cozinha, a primeira coisa em que reparou foi a fotografia da irmã. Estava no mesmo sítio de todos os dias mas, deu-lhe uma saudade pequenina por já não a ver há quase um mês, e ele quase vacilou ali. A mãe e o pai já estavam à mesa, ela ainda de camisa de dormir, ele ainda adormecido. Deu-lhes bom dia e comeu o papo-seco com manteiga. Comiam em silêncio, como quem tem mais que pensar ou que fazer. Antes de sair para o trabalho, perguntou ao pai se já tinha dado comer aos cães.

Saiu para o quintal, olhou para o céu adivinhando chuva. Agarrou na arma de serviço, encostou-a à cabeça e enfiou um tiro nos miolos. 'tava feito.

(não fosse o zumba e o verão a chegar e temo que nos tornaríamos uma aldeia deprimida. um conjunto de acidentes ridículos de horrendos e dois suicídios num par de anos são dores suficientes até para uma "pacata localidade".)


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