Se um homem tiver realmente muita fé, pode dar-se ao luxo de ser céptico.

Precisamos muito de um significado, quase tanto na mesma medida de uma utilidade. A ideia de isto não servir para nada, da nossa ausência de propósito, esmaga-nos e humilha-nos. À falta de melhor ficção, inventámos deus. Entretanto, a burla foi descoberta e somos, novamente, náufragos à deriva. Procuramos novo significado. Confrange-nos e insulta-nos que tudo não passe de um caos desordenado sem nenhuma específica utilidade. Até mesmo os eventos mais ordinários. Talvez sobretudo esses, pois que são a estrutura dos dias. Negamos a lotaria da vida e a sua sorte, aquela que pode calhar a todos. Ignoramos hormonas e electrões, composição genética e evolução, misturamos todos os ingredientes, leva-se ao forno e temos o livre arbítrio. O que não cabe na promessa de significar, haverá ao menos de caber no livre-arbítrio. Convencemo-nos assim. É menos exigente o sacrifício, aceita-se melhor o desnorte e cada um conhece de si como melhor se enganar. O que importa é o significar porque é o significado que nos permite aguentar, acreditar que nenhuma dor foi em vão. Dependendo do louco que se tem na frente, tanto pode a fantasia como a esperança dar sentido ao sacrifício. Por isso aquelas pessoas que dizem que não existem más decisões, somente aprendizagens. Produzimos um significado para nos desculpar a burrice. É mais fácil, quase parece místico.

(a Hanna e o António Damásio fazem um par bonito.)

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