O que eu disse à minha querida colega, a minha importante directora, e se calhar não devia ter dito porque ela não percebe, e nenhum destes merdas percebe, é que sacam logo de grandes sermões sobre a postura do médico e mais não sei quê, mas é só se lhes cheira a escandaleira, porque eu também gostava de lhes falar da postura do médico, mas é no dia-a-dia aqui dentro, percebes, dizer-lhes como nos esquecemos todos do que é ser médico, que não é aparecer aos doentes com a bata engomada, de queixo insolente, a fingir que temos três metros de altura, a fingir que somos deus ou o caralho, e a falar deles, à frente deles, como se eles não estivessem ali, como se fossem dois ou três quilos de carne, a cagar sentenças da TAC e da ressonância e do despiste da urina, e por mais doenças que possam trazer o que os traz aqui é o medo, entendes, estão apavorados, e não vejo ninguém a fazer medicina, só vejo técnicos de informática, cangalheiros a tirar medidas, engenheiros electrotécnicos que acham que se resolve tudo a soldar cabos.
O Pianista de Hotel, Rodrigo Guedes de Carvalho
(o meu pai, indignado por ninguém se importar.)
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