A dor é uma sílaba.

Há histórias que não nasceram para se apresentarem logo ao mundo e algumas já só nos são reveladas muitos anos mais tarde, muitas vezes já tarde para que nos possamos inteirar totalmente do seu sentido, sem distorções e adornos. Ouvi-lhe pela primeira vez aquela história mais de dez anos depois do facto. Tem muito o hábito de fazer-me isso, vou agora notando. Tu também és muito assim. 

Durante todo aquele período, um mês de exactidão e espera, ela telefonou todos os dias à mesma hora. Não se sabe se alimentava uma esperança pequenina ou se soube desde o princípio que a esperança só serve para esperar, não para mudar o que é de vida e de morte. Todos os dias, ela perguntou por ele, o estado dele, a comida dele, as dores dele, a disposição dele, a cor dele. Todos os dias ela viveu por causa dele, pensando apenas nele.

Quando toda a areia da ampulheta correu, um mês de dor exacta e aguda, ela não precisou de telefonar. Telefonaram-lhe eles muito cedo de manhã e informaram-na da morte do pai. Ela, que sempre perguntava, que queria saber os mais ínfimos pormenores que a outros pudessem escapar, ouviu, sem perguntar nada. Respondeu “ok, obrigada” e desligou.

(eu também sou muito assim: ok.)

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