Gabriel Fernandez

Resiste. Ainda. Tem sete ou oito anos. Importa pouco para agora. Consta que é um menino doce. Notam-se lhe as marcas no pescoço. São evidentes as postelas na cabeça mal rapada num repente. Muitas cores, profundidades diversas, feridas recentes onde outras vão cicatrizando. Há bocados em que falta pele junto à testa. Tem um olho vazado, que lhe custa já a abrir, vermelho onde deveria haver branco. As mãos de meter dó, escoriações impossíveis de esconder. O lábio inchado. Os outros miúdos olham-no em espanto quando entra na sala de aula. Ele resiste. Ainda. Acabou o projeto para o dia da mãe e está feliz com o resultado. Fez um desenho colorido e inocente, como só cabe às crianças. Completou as frases deixadas pela professora. Gosto da minha mãe porque. A minha mãe é especial porque. Responde que a sua mãe é a mais bonita como não há igual. Fala de amor. Fazem também vales. Este vale uma ida a despejar o lixo, este vale ajudar-te a lavar a loiça, este vale passar mais tempo contigo, este vale portar-me bem. I’ll be good. Promete que, desta vez, vai portar-se bem. Quer muito portar-se bem. Tiram também fotografias. Ele não se importa, também quer participar. Está todo marcadinho, inchado, destruído, meu pobre menino, mas é dia da mãe e a sua mãe merece. Segura a letra agigantada, um O de Mother, e sorri para a câmara. Faz até um sorriso tonto, quando lho pedem. É a sua mãe e, desta vez, ele vai portar-se bem e e mãe vai gostar dele. Dias depois, a mãe e seu namorado matam-no à pancada. O projeto do dia da mãe continua na secretária, na escola. Fala de amor.

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