Do que vê e do que é visto.

Tenho-o no colo como quem segura uma convicção peregrina. Estamos na praia e não nos estranhamos. Terá sido essa a justificação para todos os regressos, sei-o com uma clarividência que ainda agora me surpreende. O toque importa. Que me toque o rosto, me abrace, e me beije, importa. A intimidade exige presença de corpo. O que couber na tal comunhão de habitação e de mesa e que define quem é da casa e quem é estrangeiro. Olhamo-nos atentos. Somos uma feição diante de outra feição, dois lugares cruzados num hiato de tempo e com consciências díspares sobre o mesmo. Ele, sem saber distinguir o hoje de ontem, sem notar sequer que o tempo passa e que tudo lhe é possível. Eu, tão consciente que corre e não espera por ninguém, e tão aflitivamente detida nesse paradoxo inclemente. Tanto quero conhecer em quem se tornará como quero que tudo lhe seja mistério e a sua voz não se altere. Ao meu colo, toca-me o cabelo, as orelhas, as bochechas, o nariz, a boca. E depois, pára. Olha-me. Sorri muito como quem descobriu um segredo. Aponta para os meus olhos. Toca-me com o indicador nos óculos de sol, que levo postos. Diz “praia! praia!”. O que vê é mais do que é visto. Os meus olhos reflectem-lhe lugares, mas são os seus que lhes dão vida.

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