Às vezes também tens a sensação que isto, entre nós, não vai dar em nada?

Escrever é um exercício de realidade cruel. Escrever é tornar real. Reviver, retornar. Escrever é-me penoso, por isso. Necessário, por isso. Escrever é confirmar que as palavras não saem daqui, não chegam a lado nenhum, nem inspiração, nem provocação, sequer tesão. Escrever é afirmar que não é como antes, já não estás aqui e esmerar-me para sair incólume, impune, dessa diminuta tragédia que me poderia consumir imediata no inesperado de uma canção. Nem tanto. Basta uma palavra. Não se menospreze o que muda uma vida. Escrever é estar à vista de todos – acabou. É não conseguir desviar os olhos.
 
Tenho-me esforçado para não escrever, confundindo causa e efeito. O coração agora feito pedra. Mas por vezes distraio-me. Já passou tanto tempo. Vou confiante à procura do embate como quem se aventura em testes de stress. Desafio-me. Quanto consegues tu aguentar? Quanto até que doa? O tempo tudo apura e tudo coloca no seu lugar. Com o devido tempo, tudo se torna insignificante. Até o nó na garganta, aquela decepção. Resolves as minhas inseguranças e feitos no mesmo monossílabo. Há uma clarividência desconcertante na descoberta das nossas diferenças. Do contra, diria o meu pai.Tê-las-ás visto primeiro, sempre foste mais perspicaz do que eu. Sempre lá estiveram, bem sei, mas, o meu tempo e o meu encantamento eram outros. De repente, foi um vislumbre. De repente, não sei se te reconheço e isso entristece-me. Desconheço agora a profundidade dos teus medos e a altura dos teus sonhos. O trivial assoberba-nos. São sempre miudezas, claro está, e a convivência mais não é do que essa edificante negociação de tolerâncias, a beleza em saber vir ao de cima, todavia, a dúvida impõe-se. Recuso o teu peremptório não, somos melhores do que isso. Se quiséssemos, resultaria.
 
 
É um cansaço escrevê-lo. Para quê ainda isto? Já passou demasiado tempo. Nessas alturas de dúvida, matizo as memórias e olho-te como estrangeira procurando saber quem és e o que me queres. Vacilo, a objectividade esmaga.me. É ingrato que o faça. Deveria ser fácil e envergonho-me da minha demora. Amei esta mulher. E depois olho-te com olhos de ver, cubro-te inteira no meu olhar, afundo-me nos teus olhos límpidos, tu nem notas, ou oiço o teu riso desembaraçado, a tua argumentação infalível, palavras que só tu poderias dizer, ou o gesto simples e convicto de quem é justo e bom, puro sentir, e é nesse momento que sei e lembro e tudo se torna óbvio. Foi por isto. 
 
Não te preocupes, ainda. Não se confunda uma esperança com uma constatação.

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