Aborto e Referendo

Abundam os textos, debates e movimentos, contra ou a favor, da despenalização do aborto. Devo confessar que sou uma defensora moderada do Não (favorável à actual lei), mas não posso deixar de encontrar argumentos plausíveis naqueles que apoiam o Sim.
Dizer que aquilo que está em causa é somente uma questão de plano jurídico é uma atitude ingénua e que não corresponde à realidade. Vejamos, por despenalização entende-se que determinado acto deixa de constituir crime e, por conseguinte, as mulheres que abortam deixam de ser perseguidas pela Justiça e condenadas em tribunal. Parece simples, até porque despenalizar não é sinónimo de aprovar. E, é claro, ninguém quer ver uma mulher presa por causa de ter posto em prática a sua liberdade de escolha. Mas, mesmo soando a incongruente, sinto um choque de consciência por estar a decidir sobre a Vida, uma vez que essa despenalização traduz-se, sejamos sinceros, numa verdadeira liberalização legalizada. No direito de abortar. Mesmo que o tentemos negar, está em causa uma pergunta que atinge o domínio jurídico mas também o moral. Não é real a dissociação de ambos.
Temo que uma vitória do Sim, conduza a uma cultura abortista, em que o aborto passe a ser mais um método contraceptivo. Não que ache que as mulheres são todas umas levianas, sem juízo e que abortam "a pedido", ao livre-arbítrio (até porque não duvido que seja sempre uma dor profunda inegável abortar), mas, tendo em conta o País em que vivemos, não me surpreenderia nada que ocorressem casos assim. Talvez seja, de facto, uma visão demasiado pessimista e até mesmo limitada mas não deixa de me inquietar. Não sou cegamente contra o aborto, mas a não ser que seja explicita e totalmente garantido aconselhamento psicológico, capaz de informar as mulheres de todas as consequências da sua decisão e mostrando-lhe alternativas susceptíveis de a demover e consciencializar do seu acto, não consigo ser infiel aos meus princípios... Tenho uma grande amiga minha que colocou a hipótese de fazer um aborto, mas graças a um forte apoio de outra pessoa que "lhe deu na cabeça", como ela diz, hoje é uma mãe babada, que me enche de paz e serenidade. Não são precisos abortos, são precisas pessoas que se preocupem!
Falam-me de ética (do que adianta deixar viver, se essa vida vai ser má - pergunto-me se será justo marcar à nascença potenciais marginais unicamente devido a contextos sociais menos favoráveis) e de biologia (a partir de que momento se pode falar de vida e de seres humanos), mas não posso deixar de defender a Vida em si mesma como um direito fundamental.
Com a existência, divulgação e acesso a variados métodos contraceptivos (incluindo a pílula do dia seguinte!), só posso dizer que não percebo como ainda é possível que tanta gente tenha gravidezes indesejadas! (sabiam que maior parte das mulheres engravida pura e simplesmente porque não se dão ao trabalho de usar qualquer contraceptivo??! http://www.apf.pt/activ/aborto_portugal.pdf).
Além do mais, não entendo como é que a morte de alguém pode contribuir para resolver os problemas de outro. Não é por fazer um aborto que a mulher deixa de ser pobre ou rica, não deixa de estar empregada ou desempregada. Esta legislação só vai promover uma via facilitada às pressões sociais (do marido/namorado, da família, do empregador, etc..).
Tem-se abusado, no meu ponto de vista, da expressão "aborto de vão de escada" ou "humilhação das mulheres". Sim, não podemos fingir que o aborto clandestino não existe, mas também acho que não é por existir um mercado paralelo que se deve legalizar o que quer que seja. É utópico achar que se consegue acabar com o aborto clandestino. O que muda, é que passamos de um mercado ilegal para um mercado legal, somente.
Se há um problema devemos tentar combatê-lo. Neste caso, com uma melhor divulgação e acesso a contraceptivos, com a introdução da Educação Sexual nas escolas, mais planeamento familiar, mais equipamento de apoio à criança, aceleramento na adopção, entre outros. Optar pelo aborto, é optar pelo facilitismo, quando o que urge são alternativas inclusivas. Não me considero nenhuma ortodoxa fanática a favor do Não, mas só tomo a sério o argumento da liberdade de escolha, se de facto, houverem alternativas viáveis.
Pergunto-me ainda se se a lei responsabilizasse também o pai da criança haveriam tantos abortos...Não descurando o facto de que o pai parece não ter qualquer papel preponderante na decisão da mulher fazer ou não um aborto (porque é que teimam em amenizar a palavra, substituindo-a por Interrupção Voluntária da Gravidez?? Uma interrupção acaso não é algo que se pode retomar mais tarde??)...Sei que ninguém mais que a mulher tem direito ao seu próprio corpo, mas será que uma nova vida é de exclusiva responsabilidade e direito dessa mulher? Sinceramente, não entendo porquê.
Enojam-me os dogmatismos e fundamentalismos. Enojam-me as caridadezinhas e supostas superioridades morais. Enojam-me todos aqueles que fazem deste assunto um facto político... Como escreveu alguém, existem apoiantes do Sim que, qual Pilatos, adoptam uma atitude do tipo "isto está tudo mal, coitadinhos dos pobrezinhos que não têm condições, vamos mas é dar-lhes o aborto que pelo menos assim não ficam pior do que aquilo que já estão" e alguns defensores do Não que, com uma moral alicerçada nas suas crenças (in)contestáveis, ainda acham que não devemos interferir nos sagrados desígnios de Deus...Falta-me paciência para ambos!
Não pretendendo ser petulante, arrogante ou pseudo-intelectual, deixo de seguida alguns textos de pessoas que, com a sua reconhecida (ou não) credibilidade, podem elucidar melhor ambos os pontos de vista. Concordando ou não, o que importa é que haja discussão informada e que a troca de opiniões se revele intelectualmente estimulante e susceptível de conduzir a avanços na conceptualização e abordagem prática do problema.
Tenhamos, contudo, a certeza de uma coisa: quer ganhe o Sim ou o Não, ninguém aprova o aborto e todos saímos a perder. Quantos de nós, que nos enchemos de brio em discussões acesas e nos vangloriamos do nosso conhecimento dos números, da leis, da medicina, vamos efectivamente dispensar algum do seu tempo e amor a quem dele precisa? E outra pergunta se impõe: até que ponto temos o direito (nós povo, e nós mulheres) de decidir àcerca da vida ou da morte?
Votem em consciência.

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