Ciência VS Religião

"Se algo em mim pode ser chamado religioso, é a ilimitada admiração pela estrutura do mundo, tanto quanto a ciência a pode revelar."
(A. Einstein)
"Podemos amar no escuro, sim, podemos amar na luz sonâmbula da ausência, podemos tanto que inventámos Deus. Tu dizias que Deus era o teu personagem de ficção favorito."
(in "Fazes-me Falta", Inês Pedrosa)

Depois de um demorado período de interrupção, cheguei ontem ao fim da leitura de "Segredos de Anjos e Demónios" de Dan Burnstein. À semelhança de "Segredos do Código da Vinci", o livro traduz-se numa colectânea de artigos de especialistas que desmontam a obra de Dan Brown e faz a distinção entre aquilo que é a ficção e aquilo que é a realidade dos diversos temas abordados em "Anjos e Demónios", como o Vaticano, os Illuminati, Galileu, Bernini, a anti-matéria, o conflito ciência/religião, etc.
Dentre todos os capítulos enumerados sempre me suscitou um particular fascínio este último, o do conflito (ou não) entre ciência e religião, e, mais especificamente, o criacionismo/evolucionismo (recomendo vivamente o filme "The Inherit of the Wind"). Assunto controverso, delicado, de sempre e, provavelmente, para sempre.
A secularização da sociedade trouxe inquestionáveis benefícios à humanidade. Trouxe mais liberdade, mas, para muitos, também criou um vazio. Para o crente devoto, a ciência é vista como uma força ameaçadora que acabará com as reconfortantes promessas de paraíso, de vida eterna, justiça no Reino de Deus, etc. Para o não crente, a religião é vista como uma estrutura arcaica, desligada da realidade e sem qualquer sentido, já que a ideia de que existem forças sobrenaturais que governam o Universo e as nossas vidas é considerada totalmente absurda e fantasiosa.
Na minha humilde e, quiçá ingénua, opinião é exagerado falar-se de conflito. É certo que existiram momentos de enorme tensão (não posso desculpar a Inquisição!...), mas pontos de vista opostos não definem, exactamente, um conflito.
Muitos advogam que o progresso da ciência conduzirá lentamente para o desmascaramento do mito de Deus. Encaram a ciência como um substituto da religião, uma vez que através de novas descobertas corroboradas com teorias essencialmente matemáticas, esperam mostrar a inutilidade do conceito de Deus. Não posso deixar de dizer o quanto me parece impossível e mesmo absurda essa ideia. Não porque estejam em causa as minhas (des)crenças mas porque é ingénuo limitar a questão a isso. Falando de religião estão sempre implícitas questões muito mais remotas e profundas que não se devem ignorar...
Será que bastaria a ciência para pôr fim à religião? Só um tolo acreditaria nisso.
Independentemente da religião seguida (e que deriva em muito do meio em que nascemos e do que nos é transmitido), a vontade de "acreditar" parece universalmente enraízada no cérebro, seja qual for a cultura, e recentes estudos provam que existe no nosso ADN um gene que propicia a espiritualidade, isto é, está na base da nossa componente genética uma espécie de "vírus" religioso.
Diria mesmo que é mais...fácil e psicologicamente reconfortante acreditar. Existe em nós uma necessidade inata de tentar descobrir um sentido para as coisas, e nessa lógica, a religião surge (parafraseando Peter Berger) como "uma tentativa audaciosa de conceber todo o universo como humanamente significante". Ou, dizendo de outra forma, aquilo que é menos compreendido, geralmente, é temido ou venerado.
A necessidade de acreditar numa realidade sobrenatural que transcende a nossa existência terrena é tão antiga quanto a própria História. A morte e a consciência que dela temos torna-nos meros joguetes, indefesos, nas mãos do tempo e do acaso. Não é fácil aceitar o facto de os nossos dias estarem contados, que aconteçam acidentes ocasionais, que não exista uma finalidade mais elevada para a vida senão o que fazemos dela com as nossas escolhas. Por isso, procuramos respostas, criamos entidades para nos guiarem e protegerem, para nos confortarem, para, de alguma forma, nos fazerem esquecer o nosso limitado tempo de vida.
Pensar que seja possível que tudo aquilo que vemos seja uma ilusão, que a nossa razão e lógica sejam absurdas e tão arbitrárias como um qualquer jogo do Euromilhões, que não passemos de um fruto do acaso, um acidente da história que nada mais é senão uma amálgama de átomos, pensar que não existe um sentido, torna o mundo mais triste, depressivo (a tal angústia dos existencialistas) e sem piada. Deus surge-nos assim mais verdadeiramente não como uma entidade independente mas como um pretexto, uma fuga, como um "Deus das lacunas", que serve para preencher esse vazio, para explicar aquilo que não é passível de explicação...
Concluindo, devo dizer que julgo que não existe esse conflito de opiniões. Tratam-se somente de dois domínios distintos mas com muitos pontos de contacto. Duas janelas pelas quais as pessoas olham, tentando compreender o grande universo lá fora. Têm vistas diferentes mas dão para o mesmo universo. Ou, como disse Galileu, "a Bíblia diz-nos como ir para o céu, e não o céu funciona", isto é, a ciência tem a ver com o modo como funciona o mundo e a religião tem a ver com a ética e a moralidade. Não me parecem, portanto, incompatíveis, até porque o mundo não é a preto e branco mas tem várias tonalidades intermédias, e ninguém é detentor da verdade absoluta. O problema existe quando tendemos a ver aquilo em que acreditamos, em vez de acreditarmos naquilo que vemos...
Acho que a questão do evolucionismo/criacionismo perdurará em todas as gerações. Sou uma agnóstica nesse sentido, pois acho que há coisas que nunca nos será "permitido" desvendar. Haverá sempre algum mistério residual. De qualquer modo, a Natureza é muito mais inteligente do que nós, logo, só nos resta a nós, pobres mortais detidos neste vale de ignorância, reclinar e...admirar.

6 comentários:

JAM disse...

"...estudos provam que existe no nosso ADN um gene que propicia a espiritualidade, isto é, está na base da nossa componente genética uma espécie de "vírus" religioso."
Linda, não é por nada....mas estudos financiados pelo vaticano não devem contar como...veridicos.
Nada melhor para o vaticano do que tentar fazer um "mix" de "ciência espiritual"...

"Duas janelas pelas quais as pessoas olham, tentando compreender o grande universo lá fora"
Aqui está um ponto em que discordo muito, porque na minha opinião a "janela" da religião tem como vista uma tela pintada, uma ilusão, um modo de não fazer indagar sobre o que realmente está mais além....

Além de que a teoria do:" E puff, fez-se o Homem" só resultaria fosse o Ser Humano nada mais do que um cereal coberto de chocolate....

mas essa é a minha opinião...

Marisa disse...

Não estou apta a averiguar do financiamento desses estudos. Contudo, e de acordo com o que li, foram levados a cabo por Dean Hamer, chefe da Gene Structure and Regulation Section do Instituo Nacional do Cancro em Bethesda, maryland. E refiro que essa necessidade genética de "acreditar" mostra que a espiritualidade é inata em nós, mas isso não implica necessariamente que também a religião o seja. De qualquer modo, não me parece nada que tenha sido um estudo patrocinado pelo Vaticano (basta ler o artigo do livro), até porque isso iria contra a noção tradicional de que a religião vem de Deus. Aliás, acho que o facto de se ser científico acerca da religião não nos torna pregadores religiosos. :) Sugiro que visites http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,725072-1,00.html e aprofundes melhor o tema.
Quanto ao resto e, sem querer ofender (até porque sempre tive em grande consideração a tua opinião),
acho-te, sinceramente, demasiado radicalista...Gostei da metáfora "à chocapic" :)mas ver dum lado os bons e do outro os maus é uma visão demasiado restritiva, acho. No hard feelings, ok? :)

JAM disse...

Dai a minha referência ao mix....n entendeste essa parte, ou então expliquei-me mal.
devo ter sido eu.
O que importa, é que a ideia que expressaste, sobre todo esse estudo ir contra as ideias do Vaticano, bem quanto a isso teriamos de ver toda a história da religião em questão....é só a religião mais conhecida por mudar em questão de anos, até, se notares, mudam de opinião a velocidades espantosase adapta-se para continuar viva....mas o central foco, que me desgosta, está sempre lá, e a prova é ,por exemplo, a transformação e adaptação do paganismo, feita há muitos muitos anos por parte da igreja que anteriormente perseguia os pagãos.
Até a data de nascimento de Jesus que tantos celebram é, na realidade, um disfarce , um encobrimento de uma importante e à milénios celebrada data ritual pagã...
Mas, de volta á intenção original:o que eu queria dizer e ficou por entender, é que não te admires se, eventualmente, daqui a alguns anos( vários) a religião e a ciência....se fundirem, digamos assim, levando a uma camuflagem.

Também no teu reply dizias que achavas uma opinião radical. Bem, a verdade linda, é que eu já me dei ao trabalho de ver os lados da questão, estudei várias religiões até vir parar numa....a minha.

I never do hold hard feelings, sabes porquê?
Porque os que partilham a minha opinião e nunca desafiam a minha maneira de ver as coisas, não me interessam.....eu gosto é de pessoas que dão luta, que me fazem questionar o que penso.....talvez até seja por isso que eu não ligo a religiões, porque são incapazes de desafiar o intelecto.
Foi por isso que fiz um post mais controverso, pela luta, eu gosto de pensar e neste mundo encontra-se pouca gente que faça exercitar o cérebro....pouca gente mesmo....porque, ninguém se dá ao trabalho !
Obrigado pelo link, vou ler certamente assim que o tempo se proporcionar a tal....thanks, linda.

Marisa disse...

Apreciei essa tua ideia de "fusão camuflada" entre ciência e religião. A verdade é que nunca tinha pensado nisso nesses termos, contudo...hummm...não sei se o futuro evoluirá nesse sentido. Permite-me que duvide.
Quando dizes "mudam de opinião a velocidades espantosas e adapta-se para continuar viva", pergunto-me se estaremos a falar da mesma religião! :)
Referes o paganismo e a sua relação com religião católica, que primeiro o persegue e depois o deturpa e incorpora. Concordo plenamente com o que escreveste. E intriga-me (ou não, porque a fé é algo irracional, que não se questiona - um próximo post!) que tão poucos católicos conheçam a fundo a história da sua própria religião. Seja ou não uma verdadeira amálgama de ficção e realidade, e seja ou não um livro de pouca qualidade, reconheço uma característica ímpar no "Código da Vinci" (falaste em paganismo e lembrei-me): o facto de nos obrigar a pensar e a questionar os dados adquiridos. Vale a pena só por isso! :)
Desconhecia por completo que tivesses estudado outras religiões, mas louvo-te por isso. Depois de ter lido "Siddhartha" fiquei com algum interesse em envolver-me também no estudo de outras religiões, mas acabei por deter-me em artigos dedicados ao Ateísmo e...fiquei por aí. :)
Termino, aprovando e concordando com o que escreves em relação a opiniões que desafiam o intelecto e, nesse sentido, só te posso dizer: Continua a dar-me luta, que eu gosto! :)
um bj*

JAM disse...

Se começaste o estudo de religiões pelo Ateísmo fizeste um grande erro( sem ofensa).
devias ter começado pelo paganismo....acompanhado da teoria da evolução.
depois, talvez as religiões orientais e filosofias da cultura oriental....acompanhando o estudo com muita paciência..davas um saltinho pelo catolicismo...acompanhado de muitos "Porra!?" e da leitura dos escritos de Nietzsche ( que não são todos para levar a sério)...e depois passavas pelo ateismo...acompanhado por um livro no qual é depositada pouca ou nenhuma fé e muito escárnio.....livro este que não revelarei o titulo,não aqui, porque suscita muitas....controvérsias e mau olhado e é dificil de arranjar....e só se arranja mesmo em lingua Inglesa...
Depois chegavas a uma conclusão....quer dizer provávelmente não chegarias porque cada um deve tomar as suas....mas eu cheguei a esta:
a melhor religião, para mim, é o """EUísmo"""...
Mas para essa conclusão não era necessário leres tantos livros, porque a resposta já estava na tua cabeça-....Pelo menos foi o que me aconteceu
sério....

fico desejoso de voltar a não partilhar a tua opinião :) :P

já agora....dá um salto ao meu blog...deixei lá um....video para tu veres (achei piada)!

bjo*

Marisa disse...

Bem! Não te sabia tão versado no estudo das religiões! Ainda me consegues surpreender! :)
De qualquer modo, e como referi, "fiquei com algum interesse em envolver-me também no estudo de outras religiões" e não procedi propriamente a esse estudo, logo, espero que esse meu erro de principiante me seja perdoado. :)
Quanto a esse livro...deixaste-me mtttt curiosa! lol
De qualquer modo, acho que não preciso de pesquisar mt mais pq, sem o saber, já partilhava da mm religião que tu! Ou melhor dizendo, as respostas que procuramos, temo-las dentro de nós, não é?
Já vi teu vídeo e já comentei...Mt giro mm!
Fica bem* bj*