As Horas

Continuando na minha saga de ver filmes que já deveria ter visto, deliciei-me por estes dias com o visionamento de "As Horas". Magnífico.

"As Horas" é um elaborado e extremamente inteligente filme sobre temas universais como a vida e a morte, o desespero, a liberdade, a realização. É profundo, sensível, complexo, diferente. É provocador, introspectivo, desolador. Uma autêntica viagem ao que de mais profundo e escuro há na mente humana. Pura angst.
Pode dizer-se que não é um filme de massas, mas para um audiência mais especial, que não se assuste ou aborreça por um filme que abarca temas tão poderosos e com personagens tão complexas. De facto, acho até que o modo como uma pessoa interpreta este filme consegue dizer muito acerca dela.


Não é o típico drama de Hollywood, não é um filme fácil, pronto-a-esquecer. A não ser, é claro, para todos aqueles que têm como melhor filme de sempre os American Pie's e afins... E eu, como não gosto de filmes "ocos" que esqueço minutos depois, tenho de salientar este, que achei excelente. De resto, só o elenco de luxo já seria razão por si só suficiente para o visionamento desta pérola: Nicole Kidman, Julianne Moore e Merly Streep - verdadeira senhora do cinema! Vale a pena só pelas perfeitas interpretações!
A ligação entre estas três mulheres? Um livro. Kidman está a escrevê-lo, Moore está a lê-lo, Streep está a vivê-lo. O complexo argumento gira em torno de um dia na vida de cada uma destas mulheres de três diferentes gerações.

Virginia Woolf (Nicole Kidman) vive, em 1923, em Richmond, Inglaterra, com o seu marido, batalhando diariamente contra uma doença mental que lhe está lentamente a destruir a sua vida e a daqueles que a rodeiam e amam. É nesse período de convalescença, num lugar demasiado pacífico e quieto, que a escritora começa a trabalhar no seu famoso romance - Mrs Dalloway (que também foi pensado por Woolf chamar-se As Horas) - , a introspectiva história de uma mulher que se apercebe de que a sua ordenada e muito bonitinha vida não passa de um conjunto de rotinas triviais, uma representação para os outros, sem significado. Com efeito, é essa a impressão que as três personagens do filme passam a ter - a de que têm uma vida que não as preenche.

Laura Brown (Julianne Moore) é, uma dona-de-casa dos subúrbios, na década de 50, casada e mãe de filhos (como convém, acrescento), que, ao ler o livro, se vê chocada com a banalidade da sua vida. A sua existência de doméstica afigura-se como uma prisão, obrigando-a a escolher entre abandonar a sua família ou morrer (do mesmo modo que também Virginia Woolf se vê aprisionada naquele fim de mundo onde vive e onde nada se passa). Apesar de ter um marido e um filho que, claramente, a adoram Laura luta com o facto de se sentir incapaz de encontrar no papel de mulher e mãe, que lhe foram decretados pela sociedade, a realização que procura. Obviamente, isto leva-a a ter sentimentos de profunda frustração, aborrecimento e depressão, chegando, inclusivamente, a pensar pôr termo a tudo isso através do suicídio.

Finalmente, há Clarissa Vaughn (Merly Streep), uma mulher contemporânea residente em Nova Iorque que, tal como a ficcional Mrs Dalloway, é vista pelos outros como tendo uma vida bem organizada e preenchida, mas, como ela bem se apercebe (as aparências iludem!) mais não passa do que uma vida construída em torno de trivialidades sem sentido, uma vida oca. Pese embora o facto de Clarissa ter uma companheira há dez anos, aquela chama parece ter-se extinguido entre elas, e Clarissa passa grande parte do seu tempo lamentando a perda do seu grande amor, o complicado poeta, Richard Brown (Ed Harris), um homossexual, doente terminal de SIDA, que nada mais quer do que fugir à injustiça do seu destino.

Existe uma "ameaça" comum às três personagens e que, no limite, força cada uma a tomar importantes decisões, aquelas decisões de uma vida. Não obstante se aborde temas como o feminismo ou a preferência sexual destas mulheres, tal não passa de assunto superficial. É a sua permanente tristeza, encoberta por uma sociedade asfixiante centrada nas aparências, que é o ponto de partida do filme. É a busca por aquele algo mais ou pelo único momento perfeito que coloca cada uma delas na dolorosa posição de questionar a sua própria existência. Na realidade, o suícidio é um tema central e recorrente no filme, pelo que devo até advertir que este não é um filme aconselhável a pessoas emocionalmente instáveis.

Baseado no romance de Michael Cunningham, vencedor de um Pullitzer (e, geralmente, os filmes falham porque não conseguem adaptar para a tela o conteúdo do livro, mas, neste caso, a sintonia é perfeita!), esta é a poderosa história de três mulheres com muita coisa em comum - a depressão e o desespero, sobretudo. Com efeito, toda a história é uma verdadeira sinfonia de desespero, com mais pessoas deprimidas do que é normal noutros filmes. Contudo, "As Horas" não consegue ser, na minha opinião, um filme deprimente porque todo a o engenho e arte usados para contar a história (os trechos de piano, lindíssimos!) elevam-no quase à categoria de poesia feita filme...

Pode dizer-se que é um filme sobre a crescente dificuldade que experimentamos, à medida que envelhecemos, em tomar decisões, talvez porque, mais certos de quem realmente somos, ficamos mais conscientes do custo das nossas escolhas, o peso dos "se", dos "what if". Em última instância, "As Horas" é, como o nome sugere, sobre tempo - o tempo que nos resta para tornar a nossa vida preenchida e digna de ser vivida ou para a gastar miseravelmente, sem viver mas apenas existindo.
Portanto...vivam! E (re)vejam o filme! :)

1 comentário:

Anónimo disse...

Always the years between us, always the love, always the hours.