Eternal Sunshine of the Spotless Mind

"How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd."
Alexander Pope
Vi hoje mais um filme brilhante. Bizarro mas brilhante. Aliás, bastaria dizer que é do mesmo produtor de "Being Jonh Malkovich" ou "Inadaptado"! :) The Eternal Sunshine of the Spotless Mind, que, em português, julgo estar traduzido como "O Despertar da Mente".
Achei que a review seguinte (retirada daqui) explica, melhor do que eu conseguiria, o conteúdo do filme, logo, aqui a deixo. Quanto ao filme em si, não sei se toda a gente gostará mas...eu gostei e, por isso, recomendo-o. :)

"Não fosse Charlie Kauffman um dos mais espectaculares argumentistas da actualidade e este filme passaria despercebido por completo. Mas é a sua genialidade, guiado pela visão fotográfica de Michel Gondry, e apoiada numa mão cheia de soberbas interpretações que fazem deste filme um dos mais belos dos últimos anos. A sério!
Poesia pura!
É o que dá juntar o génio de Charlie Kauffman e a visão imagética do francês Michel Gondry. Duas visões que se completaram para fazer um dos filmes mais belos e poéticos dos últimos anos. Uma verdadeira preciosidade cinematográfica.
O filme é um hino ao amor ou uma sinfonia ao ser humano enquanto individuo imperfeito. Sim porque, como sempre, Charlie Kauffman preferiu escrever sobre pessoas vulgares, cheias das imperfeições do dia a dia, em vez de versar na habitual ladainha dos bons contra os maus, os perfeitos e os imperfeitos. Como na vida aqui não há nada disso. Há pessoas que estão desorientadas, perdidas, que precisam de uma bussola. E quando nenhuma lhes surge diante dos olhos preferem apagar tudo a digerir os momentos menos bons da sua vida, as estórias infelizes, os momentos que nunca deviam ter existido. É essa a premissa do argumento de Kauffman. E é também, como o leitor deve saber, a premissa da vida!
Quantos de nós já não desejaram ter a oportunidade que este filme oferece. De apagar o que nos incomoda, e incomodará para sempre? Quantos já não se arrependeram de algo e quiseram que isso desaparecesse da memória de alguma forma? Quantos de nós não recorreriam ao doutor Howard Mierzwiak?
Muitos suponho. Está na nossa natureza, e este filme é isso mesmo. Uma procura das falhas da natureza humana. Mas é uma procura optimista - há sempre um esgar optimista na visão analítica de Kauffman - uma procura do lado bom das coisas. E se aquilo que apagamos não devesse ter sido apagado? E se sentissemos falta amanhã do que nos repugna hoje? Então o que fariamos? Reincidiriamos, como a pobre Mary? Será que a vida nos colocaria de novo na mesma linha de onde tinhamos descarrilado por opção nossa? Ou será que tudo estaria de facto perdido...para sempre?
Apesar de surreal por vezes, até mesmo psicadélico em alguns momentos da juventude de Joel Barish, este filme é muito simples e lírico. É muito apontado ao coração do espectador. Os efeitos especiais - nota-se aqui a influência de um homem como Gondry que conhece bem os meandros dos videoclips e da direcção artistica - são importantes para dar uma dinâmica visual ao filme, mas o que de facto nos prende é a relação amorosa que precorre todo o filme. Apesar de terem tentado apagar as memórias das suas relações, nunca em algum momento, tivemos duvidas que Joel e Clementine se amam profundamente. Não era preciso aquele inicio carinhoso, ou o final comovente, porque mesmo nas discussões, nos desabafos ou nas crises o amor - aquilo que verdadeiramente atravessa todo o filme permanecendo imutado - está lá.
Eternal Sunshine of the Spotless Mind merecia um tratado, uma investigação, uma elegia. Não há uma crítica cinematográfica que chegue a tocar em algo profundo do que este filme nos tem para oferecer. Pelo contrário. Não o conseguimos fazer porque o filme toca-nos de tal forma que a sensação de humanidade que nos acompanha ao sair da sala torna-se nossa, só nossa, impossível de descrever ou partilhar com outros. É algo pessoal e intransmissível. Tal e qual o amor.
Amor - sempre esta palavra tão forte e por vezes usada tão levianamente - que está em todo o lado. Está na relação central do filme, mas também nos aspectos mais periféricos. É o que move todas as personagens desta história. Porque o amor de uns contagia os outros. E mesmo uma vingança amorosa - que também existe pois a balança tem sempre dois pratos - potencia o reforço do amor. Que o digam Joel e Clementine (sempre este nome a evocar um dos westerns mais poéticos de sempre, o notável My Darling Clementine de John Ford) - num final que nos toca mais no coração, do que nas lágrimas que descem pelos rostos. Afinal ver estas duas personagens funciona quase como um espelho. Não seremos todos um pouco assim?
Falar deste filme é falar também de actores. Se Kauffman fornece a matéria prima e Gondry a decora da melhor forma, quem faz o bolo são os actores. E ter Jim Carrey no elenco é logo o melhor ponto de partida para qualquer filme. Jim Carrey - possivelmente o actor mais parecido com James Stewart na forma de representar - é comovente como nunca foi. Nunca o vimos assim, tão cheios de emoções dentro de si, tão contido e essencialmente tão humano. Em Truman Show, ele era ainda um produto, uma simples personagem de um argumento. Em Man on the Moon ele era lunático, como tinha de ser, e em Majestic era um personagem de conto de fadas. Aqui, neste filme, ele é humano. É um de nós. Sofre como nós sofreriamos, tem as mesmas dificuldades que nós em dizer "amo-te" ou "não vás". Neste filme Carrey alcançou o patamar para um actor. Sair da ficção, conseguir tornar-se real!
A própria Kate Winslet, cujo inicio de carreira não augurava um futuro radiante (quem não se lembra do desastroso, ainda que bem sucedido, Titanic), entra na onda e está diferente. Mais viva, mais emocionada mas, acima de tudo, mais liberta de qualquer espartilho. Está livre para representar como sabe e gosta. A sua personagem ganha muita dinâmica pela capacidade imensa que Kate Winslet tem em exprimir-se, tanto num registo fisico - a tendência dominante - com de forma quase intrinseca. Também ela respira para dentro por vezes, nós é que não vemos!
Os restantes actores do elenco não estão, felizmente, a decorar o cenário. Também eles têm uma estória a contar, uma emoção a sentir, um amor a viver. Fazem-no é num registo com menor intensidade dramática! O único caso negativo a apontar é a interpretação da jovem Kirsten Dunst que não consegue libertar-se do argumento e ser ela própria. A sua personagem é muito pouco desenvolvida e trabalhada. Quanto aos restantes isso não se pode apontar. Mark Ruffalo surge com uma atitude punk, mas o seu coração amanteigado dá-lhe uma força interior que se sente em algumas das cenas do filme. Já Elijah Wood encarna na perfeição o jovem desesperado que recorre até aos mais sujos truqes para conseguir a atenção de alguém. Mas até aqui o argumento de Kauffman é genial. Ninguém o critica, não há dedos acusatórios simplesmente porque todos temos telhados de vidro. Que o diga Tom Wilkinson, que num volte face de grande qualidade, abandona subitamente a sua imagem quase imaculada para se tornar humano, vulgar, como toda a gente. Afinal parece que não merecia estar ao lado de Alexander Pope.
Como vêm Eternal Sunshine of the Spotless Mind é um filme tocante. É impossível não sentir um bater do coração a sair do ecrãn da sala de cinema. É uma fotografia de sentimentos, um mosaico de sensações, um verdadeiro album dedicado ao amor. Deste filme só não gosta quem se julgar perfeito. Porque todos os outros, como eu, como você, vai-se ver ali retratado. Nas coisas boas e nas coisas más. É como se Kauffman um dia tenha acordado a pensar que iria fazer um filme inspirado em mim ou em si. E desenganem-se aqueles que sairam da sala desiludidos a pensar que iriam ver um " e viveram felizes para sempre". Porque com a vida ninguém sabe se isso vai acontecer de facto."

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