Do Orgulho [Act.]


Ler isto, isto e ainda isto.



Orgulho ou discriminação pela positiva?



"Melvin: Don't you ever think about the day you're going to stand under judgment before God? What are you going to say to him when he opens the Book of Life and reads your sins?




Bette: I will say, "I am your creation, and I am proud." "


in TLW 2 x 11

6 comentários:

João Gaspar disse...

Cara Marisa,

esta pergunta (também) é para mim?

Se sim, importa-se de explicar melhor. Quanto à questão do orgulho acho que está respondida. A discriminação positiva não percebi.

cumprimentos,

João.

Marisa disse...

João,
a pergunta é para si, se assim o desejar, pois está aberta a todos os leitores. :)
Contudo, penso que o seu texto elucida bastante bem a sua opinião e traz um contributo importante para a temática do gay pride.

Por discriminação positiva deve entender-se as acções que visam equiparar grupos ou pessoas que são discriminadas negativamente, de modo a trazê-las para a sociedade de uma forma igualitária. Como bem refere no seu texto, trata-se de uma relação maioria/minoria, em que uma maioria favorecida toma medidas que favorecem a minoria desfavorecida como forma de a "compensar" pelas desiguldades existentes.

É nesse sentido que surge essa minha questão: além do orgulho que se pretende manifestar, será que as marchas gay pride não acarretam também, como efeito paradoxal, uma forma de discriminação positiva?

E em que sentido é que a discriminação, seja de que tipo for, pode ser boa? No fundo não será tambem isso tratar os homossexuais como diferentes, negando-lhes a sua essência de pessoas iguais a todas as outras, como de resto o são?

Por favor, não me entenda mal. Não estou aqui a formular qualquer juízo de valor ou a criticar as paradas gays ou qualquer outra forma de manifestação, mas apenas a colocar uma questão pertinente, para a qual gostaria de reunir algumas opiniões. Até porque, de resto, apoio totalmente a causa homossexual.

Cumprimentos,
e obrigado por comentar,

Marisa*

Mente Assumida disse...

Cara Marisa,

Pergunta se as Marchas do Orgulho Gay não serão uma forma de discriminação positiva.

Se me permite, e com o devido respeito, a discriminação positiva não é bem como a define (cito: "Por discriminação positiva deve entender-se as acções que visam equiparar grupos ou pessoas que são discriminadas negativamente, de modo a trazê-las para a sociedade de uma forma igualitária.")
A discriminação positiva não visa contrariar a discriminação negativa. Se é necessário discriminar, é porque é necessário negar um tratamento igualitário. Só que esse tratamento igualitário só pode ser negado se, em rigor, ele redundar numa situação igualitária em teoria, mas numa situação desigualitária na prática, pois caso contrário, estaríamos perante discriminação negativa que é, seja em que situação for, sempre inaceitável.
Discriminar negativamente é vedar a um determinado grupo o acesso a uma situação de igualdade (é o que tem sido feito em relação aos LGBT em inúmeras matérias).
Discriminar positivamente é criar uma situação de excepção de modo a promover a igualdade de facto, ou seja, reconfigurar uma situação teórica em que o tratamento igualitário não proporciona, de facto, uma igualdade (que pode ser, por exemplo, uma igualdade de acesso). Veja-se, a este título, a discriminação positiva dos cidadãos portadores de deficiência.

No fundo, a discriminação positiva tem em vista o tratamento igualitário do que é igual e o tratamento diferente do que é diferente, pois nisto reside a igualdade de facto.

No que concerne aos cidadãos LGBT, a discriminação de que são alvo (e que é discriminação negativa, de negação de direitos) não tem razão de existir, pois como a Marisa bem diz, são "pessoas iguais a todas as outras".

O propósito das Marchas do Orgulho LGBT não é, nem nunca foi, a reivindicação de uma discriminação positiva. O que é que os cidadãos LGBT têm reclamado para si que seja diferente daquilo que os cidadãos não-LGBT tenham? Absolutamente nada. Precisamente por não quererem nada de diferente é que não aceitam as teorias que defendem que para os LGBT deveria ser criada uma figura jurídica semelhante ao casamento, mas com outra designação. Não há qualquer razão para que os LGBT vejam ser criada para si uma figura jurídica diferente das dos demais cidadãos. Os LGBT têm o direito a ter acesso às mesmas figuras jurídicas que todas as outras pessoas têm sempre que estiverem em situação de igualdade com essas pessoas. Daí que se todas as outras pessoas podem, por exemplo, casar com os indivíduos que amam, não se compreenda por que razão os LGBT não o podem fazer. Tudo o que seria necessário invocar para negar direitos aos LGBT seria apenas uma diferença, que é aquilo que ninguém consegue invocar...

Não há, portanto, qualquer "efeito paradoxal" nas Marchas do Orgulho LGBT que são, não nos cansaremos nunca de repetir, manifestações de orgulho naquilo que se é, orientação sexual incluída.

Os homossexuais não pretendem ser tratados de modo diferente, não pretendem ser positivamente discriminados e, de igual modo, não pretendem ser negativamente discriminados, que é o que são presentemente. Daí que haja ainda necessidade de reivindicar esse tratamento igualitário, o que é dizer, o fim da discriminação negativa, de modo a que se construa a igualdade de facto.

Daquilo que li do que a Marisa escreveu, ficou por explicar em que é que se baseia para dizer que os homossexuais buscam a discriminação positiva. Eu não consigo encontrar sequer um único exemplo de algo que os LGBT reivindiquem para si (nas Marchas do Orgulho ou em qualquer outra circunstância) que seja diferente daquilo que os cidadãos não-LGBT têm, pelo que gostaria de a ver concretizar por que razão pensa isso.

Cumprimentos,
Mente Assumida.

Marisa disse...

Cara Mente Assumida,

Antes de mais, obrigado pelo seu comentário e por ter explicado tudo adequadamente. De facto é por causa da sua excelente argumentação, que devo deduzir que me precipitei ao considerar que existe discriminação positiva nas marchas gay.Tratou-se de uma errada interpretação do conceito.

Consigo entender qual o objectivo maior de uma iniciativa desse género, o de lutar contra uma discriminação evidente e o de demonstrar orgulho naquilo que são.
Contudo, entendo que tentam obter os mesmos direitos que os outros (como de resto deve ser!) e, nesse sentido, suponho lutarem pelo direito à indiferença em relação à orientação sexual. Embora parte essencial da sua identidade, não deveria a orientação sexual ser algo de indiferente no que diz respeito à concepção de ser humano? É nessa lógica que coloco a questão: ao fazerem uma marcha, promovendo a diferença, não estão também a contrariar um desejado direito à indiferença?

Não quero com isto dizer que a comunidade LGBT deva esconder aquilo que é ou privar-se de demonstrações públicas de afecto, nada disso! Não esquecendo que o intuito principal é denunciar a discriminação (porque é necessário fazê-lo), só pergunto se, ao participarem numa marcha ou qualquer actividade semelhante com tamanha visibilidade,isso não traz como efeito acrescido um contexto de diferença, ao contrário da desejada indiferença entre os demais.

Espero ter conseguido fazer-me entender. Não se trata de nenhum ataque às marchas e afins sob o subterfúgio de uma questão de lógica! Como digo, entendo como necessárias manifestações desse género para sensibilizar as pessoas para um problema grave que não percebo o que custa resolver (fraqueza política, só isso...). A questão que levanto surge, então, apenas e só como uma adenda, certa, contudo, de que não tenho a sua eloquência ou o seu domínio no assunto...

Grata pelo seu comentário.
Cumprimentos* Marisa

Mente Assumida disse...

Cara Marisa,

A indiferença (eu preferia respeito, mas compreendo porque se fala em indiferença - afinal o slogan «o direito à indiferença» é da responsabilidade da ILGA Portugal) tem de ser sinónimo de invisibilidade? Não tem de ser, pois não? É possível dar visibilidade e exigir respeito, não é? Eu acho que é! ;)

Mas, apesar de tudo, repare que os LGBT não procuram dar visibilidade à orientação sexual, mas sim às pessoas em si, para que todos vejam que afinal as lésbicas e os gays são tão comuns que passariam (e passam, efectivamente!) despercebidos em qualquer lugar. Quanto às Drag Queens e afins, penso que se trata de uma questão cultural que também tem o seu porquê, o seu mérito e não deve ser desprezada. Sobre esse assunto, tomo a liberdade de remeter para um post que escrevi, intitulado "Ver, ouvir e falar de orgulho".

Mas a Marisa coloca-me uma questão: "ao fazerem uma marcha, promovendo a diferença, não estão também a contrariar um desejado direito à indiferença?".
Repare que o objectivo da Marcha não é promover o direito à diferença, mas sim mostrar que a diferença "orientação sexual" (a única que existe) não deve ser factor de justificação para criar qualquer tratamento diferenciador por parte do outro e do Estado.
A manifestação pública sempre foi um meio privilegiado de reivindicação. A Marcha LGBT não é mais do que o uso, por parte dos LGBT, desse meio.
Não se reivindica um direito à diferença, reivindica-se sim o direito a ser-se como se é. E se ser como se é significar ser diferente, então deixe-se ser diferente. Eu sei que isto nem sempre é evidente, mas é isto que está na base de tudo.

Um abraço, cara Marisa e obrigada pela oportunidade de trocar impressões sobre estes assuntos.

Mente Assumida

Marisa disse...

Cara Mente Assumida,

Como bem referiu, há aspectos que nem sempre são evidentes, sobretudo em assuntos tão..."fracturantes".
Não posso deixar de concordar com tudo o que disse, realçando essa bem apontada diferença entre indiferença e invisibilidade.

Compreendo que tenha pensado que me estava a referir a drag queens e afins quando falei de "promover a diferença", mas devo adiantar que, na minha opinião, tal parece-me sobretudo uma questão de fundo, usada pelas mentes mais...pequenas para poder criticar com maior aceitação geral(que a sociedade portuguesa não é muito dada à excentricidade) a comunidade LGBT e disfarçando assim uma homofobia latente, daquelas do "não me importo desde que..." bem frisada num texto seu, se não me engano.

Quando falei em promover a diferença , referia-me ao facto de, independentemente do conteúdo, existir, por si só, uma manifestação/ marcha de gay pride(e uma vez mais, digo-me consciente da sua necessidade!). Ou como, era sugerido numa das ligações deste post (penso que para O Cachimbo de Magritte), se a simples existência dessas marchas não promoveria a diferença, por via de não existirem marchas de orgulho straight, e assim contradizerem o desejado direito à indiferença.

Obviamente, dir-me-á que são contextos diferentes, porque são os direitos da comunidade LGBT que estão a ser negados e logo, é imprescindível a sua reinvindicação, o que não acontece com pessoas straight, que usufruem plenamente desses direitos.
Concordo, e dou-lhe toda a razão, realçando que não pretendo fazer juízos de valor mas apenas debater e confrontar perspectivas diferentes, como de resto sugeriam as ligações apontadas neste post inicialmente.

Poderá tratar-se apenas de uma questão de semântica ou de lógica (porque em linhas gerais parece-me que estamos de acordo) mas, como disse, penso que vale sempre a pena abordar o assunto (nem que para aprender mais umas coisas!) e, por isso, agradeço novamente o seu comentário e atenção.

Cumprimentos*
Marisa