Recordo-me da primeira vez em que li Vergílio Ferreira, no 12º ano, com a querida professora Teresa (saudades). "Aparição". E foi mesmo!
Assombrou-me, como hoje, a violência daquelas palavras, o saber-se que existe alguém que pensa e consegue escrever aquilo tudo, que eu secretamente pensava, daquele jeito. Lembro, com uma nitidez de ontem, a inquietação que me perseguiu por aqueles dias, a tentar descortinar um sentido possível para mim e para a vida que me habita. O terror de me ver só, sem amparo, pretexto, desculpas. E, ao mesmo tempo, o fascínio de me saber deus, dona de mim e responsável pelas minhas acções. Toda a beleza do existencialismo, ali, naquele romance filosófico! Bastou isso, para ficar do autor eternamente cativa, ainda que iniciante na sua vasta obra.
E com a mesma violência de sempre, encantou-me o livro que terminei ontem à noite - "Estrela Polar". É impressionante a persistência e mesmo obsessão da personagem principal em encontrar o "eu" que lhe irrompe das profundezas e o atormenta. De igual modo, é genial a utilização de duas personagens gémeas, que torna bem mais real a existência e a evidência de dois seres únicos e irredutíveis. Controverso mas igualmente bem actual, é a questão das pessoas se gastarem para nós, nos relacionamentos a dois. Ou aquilo que nos morre com a morte de outrém. Deixa qualquer um pensativo!
Vergílio Ferreira é ímpar e maravilhosamente assustador na pertinência das perguntas profundas e essenciais que consegue colocar. É um dos meus escritores de eleição. Hoje, como sempre, vale a pena ler ou reler.
4 comentários:
Vergílio Ferreira foi um grande escritor.Mas pensaste tanto em ti só nesse momento?
A pergunta seguinte é honesta, sem duplo significado.
Nunca antes te lembras de ter pensado em todos os factores que referiste no texto?Foi só devido ao livro?
Não achas que é um bocado esquisito?
"saber-se que existe alguém que pensa e consegue escrever aquilo tudo, que eu secretamente pensava, daquele jeito".
Como referi, já o pensava antes, secretamente, para mim. Sim, esquisito mas ainda assim bom por encontrar alguém que melhor e de maneira mais intensa que eu (que presunção, pôr-me ao nível de Vergílio Ferreira!) o conseguiu dizer, escrever e aprofundar. De certo modo, senti que não era só eu a pensar um pouco daquilo, e encontrá-lo reavivou (como sempre tem sucedido na leitura de outras obras suas) toda a mesma inquietação de sempre, aquela que teimamos em ignorar mas está lá, debaixo da pele, só à espera de um pretexto para se mostrar...
Ah, compreendo.
Mas olha lá....não é presunção nenhuma pores-te ao nível do V.F., afinal estão os dois no mesmo nível....estamos todos...
Sim, "Aparição", no 12º ano, os tempos em que eu sabia pensar... E tenho saudades da professora Elsa
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