174 - A realidade supera a ficção

O filme "Autocarro 174", de Bruno Barreto, já se encontra em exibição deste lado do Atlântico.

Pessoalmente, já vi o filme 2 vezes (e também o documentário, de José Padilha - passou na SIC aquando o assalto ao BES) e gostei. Tenho uma qualquer queda para filmes baseados em factos reais. Se "Cidade de Deus "é um soco no estômago, "Autocarro 174" mexe-te, certamente, na alma. Deixa-te com sentimentos de culpa.

O filme segue a história de Sandro do Nascimento, um jovem que sequestra um autocarro com reféns e que acaba cercado pela polícia, populares e comunicação social. Um sequestro que durou mais de 6 horas e que foi seguido em directo por todo o Brasil.

O argumento segue a mesma linha de pensamento de qualquer filme deste género - são apresentados todos os acontecimentos que fizeram a história convergir no desfecho trágico já conhecido, gerando assim no espectador uma previsível dose de compreensão e compaixão por um destino que fica a cada dia mais definido.

A questão que se impõe: as pessoas tornam-se criminosas por natureza, de forma inata, ou é a sociedade que as torna assim?

Acho que a verdade é que por vezes se opta pelos caminhos menos trabalhosos. Existem escolhas mas não existe vontade suficiente para as seguir e isso também é visível no filme.

Da mesma forma, o filme obriga-nos a confrontar com realidades que optamos por ignorar - a dos meninos de rua, - invisíveis, vítimas de si mesmos - e a forma como a sociedade os encara como parasitas, conduzindo assim a crimes hediondos (perpetuados pela própria polícia!) como a conhecida Chacina de Candelária, à qual a personagem do filme assistiu.

Uma nota ainda para a sensação de nojo que me causa a actuação da polícia no filme. É certo que se tratava de um bandido, é certo que as prisões muitas vezes mais não são do que escolas de crime, mas o facto de não terem atirado no momento que deviam (errando depois o alvo, de forma estúpida) e mais tarde, já sem público, terem morto o rapaz daquela forma não permitindo assim qualquer julgamento e condenação, foi para mim um notável exemplo de cobardia.

Uma vez que já estou a desvendar todo o filme, resta concluir afirmando que, na minha opinião, é um filme impressionante, sem a brutalidade de "Cidade de Deus" ou a energia de "Tropa de Elite" (o fenómeno da violência, crime e favelas tem sido amplamente explorado - e exportado - pelo Brasil, com evidentes bons resultados) e sensível que nos recorda que todas as pessoas são personagens complexas, e por isso dotadas de imperfeições mas também de virtudes.

Um filme que versa sobre a condição humana e contra a invisibilidade. Recomendo.




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