Demasiada Paciência

O espaço era pequeno e estava demasiado calor de gente, sobretudo para eles que até eram pessoas pacatas e que não gostavam de multidões. Furaram entre os adolescentes de cabelo grande, pele queimada e de imperial na mão e dirigiram-se directamente ao balcão. Ele, mais bem posicionado na frente, pediu dois cafés e um Jameson e entregou à rapariga que o servia os dois cartões de consumo correspondentes, onde esta registou, separadamente, os cafés.

Segundos depois, a mulher que o acompanhava olhou os registos separados e ralhou-lhe, em tom de humilhação, pois que ele deveria ter entregue apenas um dos cartões onde seriam registados os dois cafés conjuntamente. Ela não se incomodava com o tom de voz com que lhe falava, quase gritando-lhe que, para aquele trabalho, para a próxima era ela a pedir. Os outros homens que o rodeavam ao balcão, criaturas por natureza de balcão de café e garrafas de minis, olharam-no pelo canto do olho pois não o queriam envergonhar mais, a ele que já estava envergonhado nos seus 30 e poucos anos de menino submisso e conformado. Esses que o rodeavam suspenderam as conversas, embora ao fundo continuassem os gritos de rock ao vivo. Haveria entre eles um qualquer pacto ancestral e viril pelo que, mesmo que acometidos de piedade por aquele homem, tentaram disfarçar qualquer cumplicidade maior que o silêncio que se gerou em volta, invisível.

Quando a rapariga que o servia trouxe os dois cafés pedidos, ela irritou-se ainda mais e falou-lhe com desprezo - como era possível que ele ainda não soubesse que ela só bebe café com adoçante e não com açúcar?! Qualquer acusação óbvia de inutilidade era ali escusada mesmo que vontade na garganta da mulher não faltasse para lhe chamar inútil. Então ele só responde calma, eu peço adoçante. E quando o adoçante veio e eles os dois se afastaram, os homens que o rodeavam baixaram a cabeça sem dizer mais nada. Há realmente homens com muita paciência para algumas mulheres.

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