What you see is what you get

Depois das confusões, das conclusões precipitadas e das esperas vazias, pergunta em remissão e em vontade: "vens aqui, agora, hoje, na minha companhia?". E, quando me apresso a responder um "sim", ansiado e redondo de certeza, desafia-me dizendo "eu já sabia que sim". Mais tarde haveria de dizer com confiança que sabe que, noutra ocasião, noutro tempo, noutra vida, eu lhe compraria tudo o que me vendesse sem dificuldade. Não me explica se é por causa da segurança exarcebada nos seus dotes comerciais, se concluiu que sou uma daquelas potenciais clientes emocionais e impulsivas, ou se já percebeu que me tenho demorado a olhar-lhe nos olhos quando me fala e depois me pisca o olho, quando o silêncio cobre o espaço que separa os corpos.

Geralmente sempre fui o lado da força, bruta num jeito diluído de ser, passo lento mas determinado numa súbtil e disfarçada imposição nos outros. Não estou por isso habituada a lidar com alguém assim e luto até para não me deixar intimidar. A tua doçura era mais imediata, a pureza do teu coração era tão notória que sobressaía no peito, um jeito comedido nas palavras e nos gestos, o teu sorriso envergonhado que desabrochava aos poucos, porcelana fina e frágil que eu queria proteger com cuidado. Agora é diferente, é algo novo, um jeito que vou aprendendo mas que ainda não sei.

A confiança é um afrodisíaco, não tenho dúvidas. E terá sido por isso que hoje sonhei com um rosto que não era o teu, com um cheiro que não era o teu, com um corpo que não era o teu, com um prazer que já foi nosso. Há muito tempo que não sonhava assim e, quando acordei e reparei que não eras tu, vi que algo mudou.

Creio que não é ainda quem espero mas há em si um magnetismo que me puxa, me cativa e me prende em encantamento. E, quando a sua tia perguntar de mim, só irá responder "não. amiga" e não me vou importar porque o que eu quero agora é descobrir o outro lado.

Porque mesmo que me diga que what you see is what you get, eu tenho a certeza de que há mais, talvez escondido, contido, reservado para quem o merecer, mas há mais. Um outro lado onde a extroversão acalma, onde a fragilidade existe sem vergonha, onde também se pode dar haver medo. Porque acredito que naquela fortaleza, descontracção e segurança, há alguém que só quer dormir em braços que serenem quando vê filmes de terror, festinhas no cabelo que levem para os sonhos bons e partilhados. Porque sei que quem abraça também precisa de abraços e de se aninhar livremente num corpo quente que nos chama. Porque mesmo quem sempre protegeu também precisa por vezes de ser protegido, também quer ter quem lhe afaste as lágrimas salgadas ocasionais em beijos ternos nos olhos doces. Porque geralmente quem ama muito também só quer ser amado, mesmo quando dá a ilusão de ser independente e totalmente seguro de si.

E então poderei dizer-lhe "eu já sabia que sim".

2 comentários:

Anónimo disse...

O ultimo paragrafo? está perfeito. Mesmo.

Baixar a guarda e saber que o outro não tem uma arma escondida. Tão bom...

Marisa disse...

Obrigada, Margarida. :)

Sim, bom mesmo. Porém, primeiro é preciso chegar a esse momento: o do get even what you can't see. :p