Eu não deixo, meu amor.

Não sei se te lembras de termos o mar como horizonte, naquela noite de onde emergia o ribombar do mar contra as falésias. Na noite mergulhámos. Tu foste sereia e, ao ouvir-te, no teu canto me embalei.

Amor: Tu não sabes, mas à noite sou vigia. Navego o mar das ideias e dos sons. Sentinela alerta para o que te possa ofender.

Dormes quieta, deitada ao meu lado. Todos sabemos que à noite no jardim se soltam os duendes, e pela casa em silêncio fazem a sua ronda fantasmas que se anunciam com o dialeto do vento. Condes de dentes afiados procuram carne alva como a tua. Bruxas à volta da fogueira com os dedos esquálidos percorrem livros antigos em busca de venenos e maldições. Mas eu não deixo meu amor; eu não deixo.

Nuno Lobo Antunes, Impressões da Noite,
in Egoísta


(há dias em que tenho medo das gavetas abertas, de uma tristeza que venha e já não passe, que o teu coração não aguente mais dor. vai correr tudo bem, meu amor, confia. se o tentarem vir buscar, eu não deixo meu amor, eu não deixo.)

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