My beautiful mess: it's times like these you learn to live again

Estás no banho e não notas que ando por aqui, até à primeira letra da primeira palavra da primeira frase do primeiro texto. Leio tudo com medo de ter perdido alguma entrelinha, não quero perder nada. Quedo-me com maior atenção e cuidado nas tuas memórias e nos teus medos, a aguentar os dois. Ainda não sabíamos dos planos que nos calhariam em sorte ou desta necessidade que só se acalma no teu abraço. A vida tem muito pouca lógica e é por isso que nos está sempre a surpreender, não cabe em contextos ou pretextos, engana-se e chama-lhe um propósito. Tu, apesar de tudo, nunca duvidaste da vida e talvez esteja aí a tua fortaleza. Ainda que tudo se corroa por dentro os minerais puros resistem. Tu és tão grande e talvez ainda hoje não saibas bem o significado das minhas palavras quando digo que és a maior, talvez ainda hoje aches que brinco. A água escorre-te pelo cabelo, sempre sem amaciador, e tu não poderias suspeitar desta ternura que chega agora e vai tomando tudo, que adquire o teu nome e alastra pela casa, e se mete na tua roupa, entre os teus livros, nas cores das fotografias, nas frinchas dos móveis, debaixo dos tapetes, nos cantos da sala. Quero muito cuidar de ti.

Ontem falávamos das tuas particularidades, singularidades de uma rapariga triste, e só o céu e aquele happy bird que o rasgou poderiam contar da beleza dos teus olhos a darem luz à noite. Tens olhos que iluminam. Enumerá-las é errar porque foi tudo, as de sempre e as que notei depois, as que ainda tenho a descobrir. Erro como quem ama. Amo como quem erra. A tua voz de criança, quando me contas que os dragões são dinossauros que cospem fogo ou quando respondes "tabem". A limpidez dos teus olhos como nunca vi igual e como entram por mim adentro quando me olhas profundamente. A forma como consegues determinar só olhando se uma pessoa é do Benfica ou do Sporting. O teu sorriso tão genuíno e o teu riso de cócegas que enche o mundo. Como tremes se te tentam agarrar o pescoço na frente, entre o indicador e o polegar. A curvatura do teu nariz, que é belo e simples como são todas as coisas belas e simples. A rapidez com que escreves mensagens no telemóvel ou as músicas que só tu ouves, bem como os vídeos idiotas do youtube que tens de ver quando estás mais triste e isso basta. O toque da tua pele, tão macia que nem ouso dizer. A descontracção com que encaras as pequenas contrariedades que te desafiam, brincas até, porque sabes por ti o tamanho dos terramotos que abalam a vida, um atrás do outro em réplicas que tens medo de contar. O teu amor pela Blimunda e as vontades que lês. Todas as variantes e definições de saudade que tens vindo a acumular no peito, marcadas a dor. Não gostares de café nem entenderes como é que as pessoas comem entradas antes da refeição principal. Aquilo que os outros nem notam e que para ti são essenciais, a disposição das costas e dos ombros e a importância disso. A tua dedicação e determinação, sem explicação mais necessária do que aquela de um dia teres acordado e decidido que ias ser isto e fazer aquilo e toda a estrada que fazes só para atingir esse fim, sem antecedentes, sem ligações nem contexto, só essa vontade que te nasceu no peito e a mesma determinação com que te recusas a chumbar no exame de anatomia. A tua liberdade, visível e embrenhada em cada gesto, és a pessoa mais livre que conheço, seja lá o que isso significa de facto. Cada palavra tua, palavras que dormem umas com as outras a sonharem um novo esperanto. A força que tens no corpo e o modo como me puxas para ti, um joguete nas tuas mãos, um coração nas tuas mãos. O facto de nunca olhares com atenção para as ementas mas acabares sempre a escolher o prato certo, sempre melhor do que meu. A tua voz doce, tão doce, quando cantas, nunca à minha frente porque ainda te envergonhas. O teu jeito que pode parecer meio bruto, demasiado insensível para o teatro, demasiado autista para o amor, e como tudo em ti é essa fragilidade que não expões, essa doçura que nem todos sabem, e eu sei, eu sei. O amor que tens aos teus amigos e à tua avó, as pessoas que não podes nunca perder. Quando temos de mudar para o lado contrário do corredor porque não gostas daquele lado. O modo como mexes no cabelo, que me seduz de todas as vezes como se fosse ainda a primeira. O beijo e o abraço, sempre com o artigo definido porque não há mais nenhum além deste que é nosso. O duvidares de tudo o que é tido como certo, mas nunca te permitires duvidar deste amor que nos enche.

Há mais e não sei se a razão está em alguma destas. O todo é sempre melhor do que as partes. Estás-me em tudo.

1 comentário:

I disse...

Que bonito, Marisa. "O todo é sempre melhor do que as partes"... gosto, gosto muito.