Espero, a cada noite, tudo aquilo que (não) escreves.

Para a escrita, não pode talvez esperar-se muito mais de mim. Há um ponto de inflexão que a corda não percorre a medo de quebrar. Sou molde de um único tamanho que cedo se enche. A verdade é que tudo é vão e repetição, senão nos gestos, porquanto nas palavras, de roupagem tão usada e sem truques novos para exibir. Abuso na persistência para colmatar a natureza que me falta, teimo nos meus caprichos mais sinceros. Mas não me engano se sei bem do que me é útil e inútil aos propósitos mais importantes. Se concedo a este reconhecimento é apenas porque não há nada que se possa fazer e há que entreter o tempo de alguma forma. Que esta não me aborreça demasiado.

Contigo arrisco as palavras de olhos abertos. És tão melhor do que eu nisto. Se o valor não fosse ideia própria a cada um, poderia falar-se de exageros, sobrevalorizações, mas nisto sou a mais imparcial dos juízes. Nenhuma palavra se fez para mim, nenhuma me pertence, mas toco as tuas, a todas, com a mesma confiança de quem acredita e o mesmo entusiasmo de quem se aproxima por um instante de uma anunciação. Vejo, por um segundo, à luz dos teus próprios olhos e sucumbo ao que se me mostra. Quero ver o que tu vês.

Há dias em que és intocável e eu sou uma vontade desmedida de ser palavra nascida dos teus dedos sob o signo da boa sorte. São esses os dias em que a felicidade é fenómeno de multiplicar, vinte e quatro vezes em vinte e quatro horas. Os mesmos em que confundo a gratidão com a vaidade, a personagem com o autor, o destino com a escolha. Penso que é esta a liberdade mais bonita de se ter, a liberdade de escolha. Nas tuas palavras, há sempre uma escolha pronta a acontecer. Lucidamente, escolho avançar. Derramo os medos para o peito e faço do teu abraço sítio de regressar, quando me canso de ser ave feliz a apontar ao infinito do céu. No princípio sempre foi o verbo. O verbo sempre foste tu.

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