Querido Eugénio
O melhor não são os sentimentos nobres das pessoas, mas o ácido prazer de amar seja o que for. Uma longa viagem nos une e nos separa. Nunca trocámos cartas porque essa débil força da confidência esteve sempre para nós fora de moda. Nunca deixámos que as palavras nos dessem lições. As palavras são como caminhos, umas vão dar a qualquer sítio que não nos importa conhecer; outras não servem para nada, e são as melhores.
A poesia não é feita de palavras, mas da cólera de não sermos deuses.
A Grécia, como a conhecemos, isso é que é poesia. O vento no fim da tarde em Delfos, o olival até ao mar, duma cor que já não me lembro. Nós não éramos profanos, mas argonautas em terra. Tenho ainda o medalhão de ouro, com Atena esculpida e a coruja ao lado. Tanta formosura para tão poucos iniciados!
Estou aqui a pensar que vou construir uma casa numa árvore do jardim, para navegar ao largo como o capitão Slocum, num iole de 12,70 toneladas de peso bruto. Daqui ao cabo Horn é um pulo. E sempre nos acenam os que ficam em terra, os lenços agitados pelo bom vento da costa. Somos navegadores solitários tentando não embirrar com o presidente do Transval que acredita que o mundo é plano e que não pode haver a volta ao mundo.
Um bom sorriso, e está bem assim.
(Carta a Eugénio de Andrade, por Agustina Bessa-Luís (25.06.2005))
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