É demasiado fácil esquecê-lo. As nossas vidas seguem a velocidades diferentes e os lugares em que coincidimos são episódios remotos. Cansa-se mais depressa, precisa de mais tempo e é verdade que sorri menos, custa-lhe a cabeça, a vista, a luz, o som, o silêncio. De repente, custa-lhe a vida e os dias ficaram todos mais pesados, as noites mais próximas dum sobressalto. Para mim, reserva sempre um esforço. Não me deixa partir sem um sorriso. Contudo, bem sei que o que se vê nem sempre iguala o que se é, há uma dissonância que a lonjura não me permite dizer mas da qual tenho de desconfiar. Primeiro os pulmões e eu no dentista finalmente a entender o que é o medo. Depois, as pernas, o cheiro, a cor a abismo. Agora isto, um acumular de insuficiências a bloquear o futuro, o dela, o meu, o nosso. À força do auto-elogio, da coragem, da determinação, da felicidade tão abundante e por isso tão artificial, é demasiado fácil esquecer que cada hora é luta, cada despertar, vitória. É fácil esquecer os fantasmas que não vemos, o mundo que não palpamos. Envergonho-me sempre que penso o pior. Escrevê-lo, até. E só peço que ele não me ligue. Como se pensá-lo fosse desejá-lo ou agoirá-lo. Envergonho-me por esquecer e envergonho-me quando não consigo esquecer. Sempre enganou a todos e por isso é demasiado fácil.
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