Sou obrigada a conversa de circunstância até que o teste revele que sou pura e digna de ali permanecer um par de noites. A rapariga que me atende é nova e amadora e não se inibe de mo dizer. Aquele trabalho não é o seu, mas é que hoje a engenheira está fora, pelo que ela fez o favorzinho. Sou eu que tenho de lhe dar dicas e arrancar respostas a conta-gotas, precisa do meu e-mail e a que horas é o pequeno-almoço. Vai anotando tudo numa letra redonda e miudinha e com uma lentidão que se poderia ironizar característica. Respeito os protocolos sociais, pergunto o que é esperado de mim nestas ocasiões. Se têm tido muita gente, onde é que almoça bem e outras que não significam nada e não servem a nada além de administrar o tempo. Para meu espanto, na sequência de uma dessas questões inúteis, diz-me que ainda não tem trinta anos e que acha que não está a aproveitar bem a vida. Assim. Arqueio as sobrancelhas em sobressalto, admirada mais da ousadia da sua confissão do que do inesperado dela. Não me imagino a admitir tamanha verdade em voz alta e frente ao espelho. Fico com a sensação que é uma revelação para a própria, algo que diz pela primeira vez como uma suspeita confirmada. É uma constatação dolorosa, cheia de peso e arrependimento. O silêncio aflige-nos agora. O que se pode dizer quando um rio galga as margens e inunda tudo?
Inocente, faço o meu papel miserável de privilegiada. Digo-lhe que, dependendo da área de formação de cada um, agora a pandemia até veio provar que é possível trabalhar a partir de qualquer lado. Retorque que tirou muitas formações. Calo mais um pouco. Não me quero intrometer, mas quero ajudar, dar-lhe a entender que há muitos caminhos – essa máxima que me desperta – e oportunidades a quem nelas repare. Com a consciência de que me tomará por doida, arrisco. Já ouviu falar de criptomoedas? Bitcoin, por exemplo? Não precisa de colocar muito, mas só deve colocar o que não se importa de perder. Dou-lhe a ladaínha do isto não é aconselhamento financeiro. Sugiro-lhe que investigue o assunto.
No seu ar de burro a olhar para palácio, apercebo-me do ridículo da situação: ali estou eu, num monte no alto alentejo, a apresentar uma oportunidade que esta pessoa vai ignorar, esquecendo-me passados segundos e tomando-me por louca ou excêntrica. Há quem desperdice tempo e há quem desperdice oportunidades. Há até quem desperdice ambas, não as sabendo sinónimas. Privilegiada, de facto, mas atenta. You are early.
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