É difícil apurar quem se acostumou a quem, se tu ao gato, se o gato a ti. O que é certo é que és da mesma espécie, minha gata. Os mesmos berlindes verdes, cheios e luminosos. Límpidos, como sempre os soube. Os bigodes que se formam por vezes junto às covinhas quando sorris em ternura e que só eu vejo, mas garanto-te que são bigodes, bigodes de gata. A mesma independência e alheamento, pois vives bem nas tuas imperfeições e não precisas que te validem. E é tão raro encontrar quem não precise de outras validações! Tens a mesma inteligência e desconcertas-me na astúcia, permite que te devolva o que aquele questionário adolescente não soube apreciar, quando encontras argumentos para tudo, como se te desse gozo, jogo novo e desafio mental, até para as ideias novas de antifragilidade. E tens o mesmo ar senhorial, gato egípcio ou princesa italiana, a curvatura do nariz ali tão apropriada em jeito admirável, criatura perfeita. Fazes o que te apetece, és quem te apetece. Não precisas de mim nem de ninguém. E em semelhante grau de parentesco, exibes a mesma resistência ao afecto, fugindo-me sempre, como o gato, em desagrado e impaciência, quando procurava apenas acariciar-lhe o pêlo. Chega mesmo a saltar e a morder nas imediações da minha mão ou de qualquer aproximação física, como se o corpo fosse caminho intransitável. De vez em quando, num inesperado, aceita o toque, roça-nos as pernas, mas nunca sabemos quando chega esse dia, só o podemos aceitar e expressar a surpresa na mesma devoção do Pina e do Caeiro, aquilo que nos faz pensar “não estava a ver-te a fazeres isso, não estava a ver-te a procederes assim, não estava a ver-te a olhares dessa maneira”. Poderias muito bem chamar-te Panettone.
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